Lembro-me de uma ocasião nos idos da
década de 1990, em que me encontrava em Faxinal do Céu, município de Pinhão, estado
do Paraná, para participar de uma semana de formação, que tinha como
público-alvo, um grupo de aproximadamente mil docentes da rede pública
estadual. As formações duravam uma semana. A badalada Universidade do Professor
era uma das estratégias de marketing do então governador Jaime Lerner. O ponto
forte do governo Lerner era o marketing, eu costumava dizer, que, ao desligar a
TV ou largar os jornais, seu governo acabava. Em Faxinal do Céu havia a antiga
vila dos trabalhadores que construíram a Usina de Foz do Areia de propriedade
da estatal paranaense Copel. Neste espaço, devidamente adaptado, os professores
eram alojados. Em um dos auditórios, este escriba assistia a fala de Arthur
Pereira e Oliveira Filho que havia criado a estrutura organizacional dos cursos
ministrados naquele local.
A
empresa que administrava a Universidade do Professor era o Centro de Educação
Gerencial Avançada, empresa de Petrópolis, estado do Rio de Janeiro, e que
habitualmente realizava cursos e palestras para grandes empresas privadas ou
estatais. A contratação de tal empresa, dizia-se, custara uma fábula contada
aos milhões de reais, enquanto isso, nas escolas a realidade era a de falta de
recursos, sucateamento do espaço escolar e defasagem salarial dos trabalhadores
em educação. Nesta época presenciei a parcialidade da Revista Veja, pois,
estava ao lado de um colega professor que deu entrevista mostrando a cortina de
fumaça que Faxinal do Céu representava e a verdadeira realidade da educação paranaense
à assim considerada “bíblia” da informação dos conservadores. Quando a revista
saiu com a matéria, constatei que ela fora totalmente parcial, somente os
elogios ao governo foram publicados e nenhuma palavra sobre a fala de meu
colega, hoje, professor universitário.
Arthur, no início de sua fala, disse com grande orgulho
morar na casa que pertenceu ao eterno golpista Carlos Lacerda. E, eu disse à minha
esposa que se encontrava sentada ao meu lado: “e ele tem orgulho disso? Eu não
moraria nessa casa sem que um padre nela jogasse água benta”! Ao questionar o
público formado por professores (cuja triste realidade nada a tinha a ver com a
maquiagem de Faxinal do Céu, cuja encenação fazia com que professores de outros
estados invejassem os paranaenses) sobre o hábito de leitura destes, afirmou:
“O quê professores? Vocês não leram Thomas Mann? Francamente! Estou
decepcionado com vocês”! À saída do Auditório Rubens Correa havia uma exposição
de livros à venda, ainda constrangido devido à fala de Arthur, por quem tinha
um misto de admiração por sua intelectualidade, porém, com uma forte dose de
crítica ao seu pensamento que considerava demasiado conservador e burguês,
questionei o vendedor sobre um livro de Thomas Mann (não lembro o título) que
constituía um verdadeiro calhamaço. O vendedor informou o preço, o qual
constituía 1/6 de meu salário de professor recém concursado, pois, à época ao ser
aprovado em concurso, o professor era premiado com uma forte redução de seu
salário que ficava congelado durante todo o estágio probatório de dois anos,
mas, que durava quase três até a primeira promoção na carreira. Ao constatar
não ter condições de comprar o livro, pois, a prioridade de recém-casado (eu e
minha esposa ao nos unirmos, somente tínhamos um ao outro) era colocar comida
na mesa, pagar aluguel e demais despesas da casa e sonhar dias melhores que o
salário inicial do magistério não comportava. Na ocasião, vários professores
comentaram a falta de tempo para a leitura, pois, não havia a hora-atividade e
estes corrigiam provas e trabalhos em seu tempo livre em casa, o qual deveria
ser para descanso.
Fazer
atividades do trabalho em casa constitui trabalho escravo, pois, não é
remunerado e o professor é obrigado a fazer, sem, no entanto receber por isso.
Houve outros colegas que também afirmaram serem os livros caros demais. Lembro
de ter lido um artigo em que um professor questionou o substituto de Arthur em
Faxinal do Céu (Rubens Portugal) se ele sabia o que eram os faxinais e este
afirmou não saber. Não causa surpresa, portanto, que as mentes que conduziam os
cursos cuja tônica era a motivação, desconheciam a realidade dos educadores do
estado, pois, não haviam pisado o chão da escola paranaense. Afirmavam que dos
professores e tão somente destes dependia a solução de problemas da educação
que eram na realidade omissões e falhas do Estado e do modelo de sociedade
construída. Visavam ainda levar os educadores a sonhar com o paraíso na Terra
durante uma semana. O problema é que após aquela semana, a realidade se impunha
como um pesadelo na forma de uma escola carente de tudo na mente de cada educador
que retornava ao trabalho. Concluo dizendo: Sim, também tenho culpa! Votei em
Lerner “o arquiteto” para evitar o mal maior, que em meu ver seria Álvaro Dias,
mas, não em sua reeleição. E digo: se puder, leia Thomas Mann!
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