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quinta-feira, 1 de agosto de 2019

O quê? Você não leu Thomas Mann?



                Lembro-me de uma ocasião nos idos da década de 1990, em que me encontrava em Faxinal do Céu, município de Pinhão, estado do Paraná, para participar de uma semana de formação, que tinha como público-alvo, um grupo de aproximadamente mil docentes da rede pública estadual. As formações duravam uma semana. A badalada Universidade do Professor era uma das estratégias de marketing do então governador Jaime Lerner. O ponto forte do governo Lerner era o marketing, eu costumava dizer, que, ao desligar a TV ou largar os jornais, seu governo acabava. Em Faxinal do Céu havia a antiga vila dos trabalhadores que construíram a Usina de Foz do Areia de propriedade da estatal paranaense Copel. Neste espaço, devidamente adaptado, os professores eram alojados. Em um dos auditórios, este escriba assistia a fala de Arthur Pereira e Oliveira Filho que havia criado a estrutura organizacional dos cursos ministrados naquele local.
A empresa que administrava a Universidade do Professor era o Centro de Educação Gerencial Avançada, empresa de Petrópolis, estado do Rio de Janeiro, e que habitualmente realizava cursos e palestras para grandes empresas privadas ou estatais. A contratação de tal empresa, dizia-se, custara uma fábula contada aos milhões de reais, enquanto isso, nas escolas a realidade era a de falta de recursos, sucateamento do espaço escolar e defasagem salarial dos trabalhadores em educação. Nesta época presenciei a parcialidade da Revista Veja, pois, estava ao lado de um colega professor que deu entrevista mostrando a cortina de fumaça que Faxinal do Céu representava e a verdadeira realidade da educação paranaense à assim considerada “bíblia” da informação dos conservadores. Quando a revista saiu com a matéria, constatei que ela fora totalmente parcial, somente os elogios ao governo foram publicados e nenhuma palavra sobre a fala de meu colega, hoje, professor universitário.
            Arthur, no início de sua fala, disse com grande orgulho morar na casa que pertenceu ao eterno golpista Carlos Lacerda. E, eu disse à minha esposa que se encontrava sentada ao meu lado: “e ele tem orgulho disso? Eu não moraria nessa casa sem que um padre nela jogasse água benta”! Ao questionar o público formado por professores (cuja triste realidade nada a tinha a ver com a maquiagem de Faxinal do Céu, cuja encenação fazia com que professores de outros estados invejassem os paranaenses) sobre o hábito de leitura destes, afirmou: “O quê professores? Vocês não leram Thomas Mann? Francamente! Estou decepcionado com vocês”! À saída do Auditório Rubens Correa havia uma exposição de livros à venda, ainda constrangido devido à fala de Arthur, por quem tinha um misto de admiração por sua intelectualidade, porém, com uma forte dose de crítica ao seu pensamento que considerava demasiado conservador e burguês, questionei o vendedor sobre um livro de Thomas Mann (não lembro o título) que constituía um verdadeiro calhamaço. O vendedor informou o preço, o qual constituía 1/6 de meu salário de professor recém concursado, pois, à época ao ser aprovado em concurso, o professor era premiado com uma forte redução de seu salário que ficava congelado durante todo o estágio probatório de dois anos, mas, que durava quase três até a primeira promoção na carreira. Ao constatar não ter condições de comprar o livro, pois, a prioridade de recém-casado (eu e minha esposa ao nos unirmos, somente tínhamos um ao outro) era colocar comida na mesa, pagar aluguel e demais despesas da casa e sonhar dias melhores que o salário inicial do magistério não comportava. Na ocasião, vários professores comentaram a falta de tempo para a leitura, pois, não havia a hora-atividade e estes corrigiam provas e trabalhos em seu tempo livre em casa, o qual deveria ser para descanso.
Fazer atividades do trabalho em casa constitui trabalho escravo, pois, não é remunerado e o professor é obrigado a fazer, sem, no entanto receber por isso. Houve outros colegas que também afirmaram serem os livros caros demais. Lembro de ter lido um artigo em que um professor questionou o substituto de Arthur em Faxinal do Céu (Rubens Portugal) se ele sabia o que eram os faxinais e este afirmou não saber. Não causa surpresa, portanto, que as mentes que conduziam os cursos cuja tônica era a motivação, desconheciam a realidade dos educadores do estado, pois, não haviam pisado o chão da escola paranaense. Afirmavam que dos professores e tão somente destes dependia a solução de problemas da educação que eram na realidade omissões e falhas do Estado e do modelo de sociedade construída. Visavam ainda levar os educadores a sonhar com o paraíso na Terra durante uma semana. O problema é que após aquela semana, a realidade se impunha como um pesadelo na forma de uma escola carente de tudo na mente de cada educador que retornava ao trabalho. Concluo dizendo: Sim, também tenho culpa! Votei em Lerner “o arquiteto” para evitar o mal maior, que em meu ver seria Álvaro Dias, mas, não em sua reeleição. E digo: se puder, leia Thomas Mann!
           

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