sexta-feira, 10 de maio de 2013
“Anos 80: charrete que perdeu o condutor!”
Há alguns dias, ao separar o material para fazer um trabalho sobre músicas críticas com alunos do Ensino Médio deparei-me com uma letra de que gosto muito, sendo esta de um artista que já passou para o lado de lá juntamente com outros tantos. A saudade é ainda maior quando observamos a atual decadência musical brasileira na qual as letras com significado sumiram ao cerrar das cortinas e na abertura das mesmas, surgiu um amontoado de palavras vazias, com certa sonoridade, às vezes nem isto e que ganham espaço breve nas paradas de sucesso, ou seja, sucessos fugazes, obviamente de letras comerciais, portanto, descartáveis.
O artista de que falo é Raul Seixas considerado o pai do rock brasileiro e que arrebanhou uma legião de fãs, muitos deles nasceram após sua morte em 1989. Raul fez várias músicas críticas numa época conturbada, ditadura militar, em que toda a programação audiovisual era submetida a um censor para a sua liberação, dessa forma, as letras tinham que passar a mensagem em sentido figurado, de forma que a análise superficial do agente da ditadura não percebesse, para que a mesma pudesse ser divulgada. Tais letras eram mensagens de força e esperança para a população que descontente assistia ao descalabro das autoridades de plantão que haviam seqüestrado o Brasil de sua própria população. Não raras vezes, quando as letras passavam pela censura e se tornavam hinos de resistência à ditadura militar, as conseqüências para os compositores e cantores era muitas vezes a prisão, a tortura e o exílio. Raul teve que se exilar nos Estados Unidos, onde se encontrou com John Lennon que o recebeu em sua casa e onde por três dias conversaram principalmente sobre a “Sociedade Alternativa”, título de uma de suas letras que fazia muito sucesso na época e que fora composta em parceria com o imortal Paulo Coelho. A parceria com Paulo Coelho rendeu letras muito inspiradas e que deixavam os Generais com os cabelos em pé, pois, tais letras passavam mensagens subliminares de não conformismo e busca de um sentido pleno para a vida, algo que o país de forma alguma representava para a sociedade naqueles “anos de chumbo”.
A música “anos 80” é um dos muitos ícones que retratam o país da década perdida, do PIB estagnado, da inflação galopante, da dívida externa que se acreditava impagável, da crescente concentração da renda, da ditadura militar que pulou fora quando perdeu a direção (governabilidade) do país (charrete), enfim, como disse Raulzito “quando a charrete perdeu o condutor”. Os anos 80 foram emblemáticos o mundo vivenciava os últimos suspiros da Guerra Fria e a elite que apoiou o golpe não dormia de medo que o país caísse nas mãos dos “comunistas” (qualquer pessoa que desejasse o fim da ditadura era considerado comunista e visto com reservas) e lamentava o encaminhamento dado pelos Generais em direção à abertura política e à tão esperada volta à democracia. A democracia, este sonho de bilhões de habitantes do planeta era temido por aqueles que se beneficiaram do regime de exceção, pois havia o risco de a maioria decidir ter vez e voz e se assim fosse como controlar a situação sem o uso do chicote (da escravidão) ou do canhão (da ditadura)? Os anos 80 revelaram muitos artistas de talento com suas músicas de protesto clamando por uma sociedade nova, os programas de TV livres da censura começavam a dar tímidos e hesitantes passos, e os brasileiros que viveram as “Diretas Já!” estão até hoje tentando se acostumar a viver num país que tenta ser democrático (desigualdade social), apesar de muitos ainda terem medo de que em construções desconhecidas voltem a funcionar o DOPS ou as Senzalas enquanto alguns nutrem essa esperança. Para Raul, que nasceu “há dez mil anos atrás”, os anos 80 foram demais e ele gritou: “Pare esse mundo, que eu quero descer” e a “Terra parou”, ele desceu, era 21 de Agosto de 1989, mas isso é outra história, e feito isso, ele disse “pode seguir sem problema algum”.
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