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sábado, 29 de novembro de 2025

Credibilidade, ora credibilidade...

 

        Durante as Jornadas de Junho de 2013, tomei uma decisão: parei de assistir ao jornalismo da TV Globo. Explico: o Movimento Passe Livre protestava contra o aumento das tarifas de ônibus e foi inicialmente criticado pela emissora, porém, quando as manifestações cresceram e ganharam outras bandeiras, a Globo deu uma guinada de 180 graus. Isso ocorreu porque a emissora percebeu a chance de fustigar o Governo Dilma Rousseff (PT), sendo que o mesmo comentarista que havia condenado os atos, passou a apoiá-los dias depois.

            Foi um espetáculo de falta de credibilidade, com a emissora transmitindo ao vivo os panelaços e incentivando a adesão popular. Aquele jornalismo mau caráter me enojou, e lá se vão doze anos sem noticiários da TV Globo em minha casa.

            Uma contradição similar veio do Estadão. Em 2018, o jornal defendeu que o então ex-presidente Lula cumprisse pena "como qualquer preso". Agora, com Bolsonaro, argumenta que um ex-presidente não deve ser tratado assim, sugerindo prisão domiciliar, que no caso de Bolsonaro, trata-se de uma mansão. Ora, se a regra vale para todos, por que o privilégio? Argumentam que Bolsonaro está doente, ora, como são tratados os "outros presos" doentes? Todos têm direito à prisão domiciliar?

            A ironia é que, em 2017, seu filho Eduardo Bolsonaro publicou em uma rede social: "Ladrão de galinha ir para a prisão e ladrão amigo do rei para prisão domiciliar é sinônimo de impunidade". A frase, hoje, soa como um retrato da seletividade que se pretende, beneficie seu pai.

            Nós brasileiros, parecemos estar presos no roteiro do filme O Feitiço do Tempo, pois a cada dia, a cada novo amanhecer, a velha mídia abre espaço para os improdutivos e custosos parlamentares da extrema direita falarem sobre a necessidade da  aprovação de um projeto de lei (ao arrepio da Constituição Federal) concedendo a anistia para os criminosos golpistas para a "pacificação" do país.

            Penso que o país só se pacificará quando a impunidade histórica do golpismo acabar e a democracia for fortalecida com uma mídia regulada, livre do domínio de poucos grupos empresariais que, na sustentação de interesses escusos, praticam uma interpretação contorcionista da realidade, ditando a opinião pública para uma sociedade pouco afeita ao pensamento crítico, pois assim demonstram as pesquisas sobre analfabetismo funcional.

            É de se lamentar, que grupos de comunicação brasileiros constituam marcas valiosas, mas ao mesmo tempo tão pobres em credibilidade, que é ou deveria ser seu maior patrimônio.

 

sábado, 22 de novembro de 2025

O alquimista

 

        Após muito ouvir críticas à literatura de Paulo Coelho (1947), resolvi reler "O Alquimista", publicado originalmente em 1988, sendo sua obra mais famosa, a qual foi traduzida para 81 idiomas e com mais de 150 milhões de cópias vendidas, tornando-o o escritor brasileiro mais lido e traduzido da história. Eleito imortal da Academia Brasileira de Letras - ABL (2002) em meio a controvérsias, Paulo Coelho sempre foi alvo de ressalvas de acadêmicos e críticos, que afirmam ser sua escrita simplória e pouco elaborada.
            Li o livro em 1992, no auge de seu sucesso quando se manteve na lista de mais vendidos do jornal New York Times por incríveis 425 semanas. Na época, eu, um leitor menos tarimbado, emocionei-me com a história e passei a admirar não só o letrista genial que compôs com Raul Seixas (1945-1989), mas também o escritor. Com a intenção de melhor abalizar meu veredicto, reli também, Brida (1990), a qual considerei uma escrita mais consistente.
            Ao reler, confirmo: não se trata de alta literatura e tenho que reconhecer que sua escrita não se compara à de autores como Vitor Hugo, Tolstói ou Kafka, mas é importante lembrar que há leitores para todos os perfis. Paulo Coelho ocupa um espaço singular no qual oferece narrativas leves, de fácil compreensão, que conduzem à reflexão sem exigir grande esforço intelectual, enfim, uma leitura fluída e prazerosa, ideal para momentos em que desejamos escapar da dureza do cotidiano.
            A trama acompanha Santiago, um pastor de ovelhas da Andaluzia (Espanha) que abandona tudo em busca de um tesouro enterrado próximo às pirâmides do Egito, revelado em sonhos repetidos. Em sua jornada, ele encarna valores como desapego, resiliência e fé, aprendendo a escutar os sinais do universo e a persistir mesmo diante dos maiores obstáculos.
            Uma das frases mais célebres do livro resume bem seu espírito: “o universo inteiro conspira a favor de quem persegue seu sonho”. E, de fato, Santiago segue e encontra não apenas um tesouro, mas também a realização da sua lenda pessoal.

Sugestão de boa leitura:

Título: O alquimista.
Autor: Paulo Coelho.
Editora: Rocco, 1992, 208 p.





domingo, 9 de novembro de 2025

Lincoln

 

Foi por meio de artigos motivacionais sobre a vida da personagem histórica Abraham Lincoln (1809-1865), que tive aguçada a curiosidade, o que me levou a adquirir a biografia que deu origem ao filme. A leitura, finalmente realizada dois anos após a aquisição, ofereceu-me um sabor agridoce. A obra centrou-se demais na presidência (de 1861 a 1865) e pecou por lacunas históricas e pela falta de mapas das batalhas da Guerra Civil. Descobri, com certa frustração, que a versão brasileira foi sintetizada, enquanto a original nos EUA esmiúça os fatos com muito mais riqueza.

            Essa busca por detalhes me levou a redescobrir a trajetória extraordinária daquele extraordinário homem. Sua infância foi marcada pela pobreza extrema, pela perda da mãe ainda menino e por uma luta constante pela sobrevivência. O jovem Lincoln, alto e magérrimo, trabalhou como lenhador e condutor de barcaças. Sua educação formal não chegou a dois anos, mas sua sede de conhecimento era insaciável. Tornou-se um autodidata obstinado, devorando livros que carregava para todo lado.

            A vida o testou incessantemente: reprovado no exame para o ingresso na faculdade de Direito, estudou por conta própria até ser aprovado na prova da ordem. Como advogado, era temido por sua inteligência afiada em apontar contradições. Fracassou como empresário e em quase todas as tentativas políticas, além de carregar a dor da perda de dois filhos.

            Em 1860, contra todos os prognósticos e com o que muitos consideravam o pior currículo dentre os postulantes, esse homem de origens humildes foi eleito presidente. Sua grandeza se revelou na humildade e sagacidade, pois convidou seus rivais derrotados para compor seu gabinete, formando uma equipe de feras que ele sabia liderar com mão firme.

            Quando a guerra civil (1861-1865) estourou, ele não a desejou, mas enfrentou seu fardo com uma determinação solene. Após quatro anos e 600 mil mortos, sua perseverança manteve a União intacta e libertou os escravos. No entanto, ao ousar defender o direito ao voto para os negros, atraiu o ódio mortal daqueles que não aceitavam a nova era. Sua vida foi tragicamente ceifada no Teatro Ford, um de seus poucos refúgios de paz, mas seu legado como um dos maiores líderes dos Estados Unidos permanece eterno. Sua história é um testamento pungente de que a força do caráter supera qualquer currículo.

Sugestão de boa leitura:

Título: Lincoln

Autor: Doris Kearns Goodwin

Editora: Record, 2013, 322 p.

sábado, 1 de novembro de 2025

Os sapatos de Francisco

 

        Recordo-me da minha juventude, quando, professor de geografia em uma escola privada confessional, acreditava, com a fé dos sonhadores, que minha missão era aguçar a sensibilidade dos educandos perante as injustiças do mundo. Queria formar cidadãos que não se acostumassem com a chocante cena de pessoas revirando lixo em busca de comida, um retrato triste da realidade que jamais deveria ser tratado como "normal". Desejava que meus alunos não virassem o rosto diante da miséria, pois entendia que a "invisibilidade" a perpetua.

            Naquela época, encontrei na videoteca da escola o filme "Irmão Sol, Irmã Lua" de Franco Zeffirelli. Assistir àquela obra foi uma experiência que me comoveu profundamente, embora diante da turma tentasse manter a postura de um revolucionário impassível. Ao exibir o filme, meu objetivo era estimular a crítica ao consumismo e ao culto da aparência em contraposição à essência, pilares do sistema capitalista que nos cerca.

            Décadas se passaram. Aquele jovem professor chegou à meia-idade sem ter mudado o mundo, mas, felizmente, sem nunca ter abandonado o ideal. Aprendi que nossa função, como parte de uma classe trabalhadora intelectualizada, é ser como a água: paciente e persistente, desgastando lentamente a rocha dura do capitalismo para, um dia, sedimentar as bases de um mundo novo.

            E então, em 2013, veio a notícia: "Habemos Papa". Um colega me contou que o Cardeal Jorge Mario Bergoglio (1936-2025) escolhera o nome Francisco, em alusão a São Francisco de Assis. Comentei, na época, que ele era muito auto-confiante, pois ao utilizar tal nome, colocava sobre os ombros uma tarefa hercúlea. E Francisco não fracassou. Seu papado, ainda que dentro dos limites de uma instituição milenar, foi um farol de esperança.

            Tal como seu inspirador, ele ousou confrontar os "adoradores do bezerro de ouro", falando-lhes verdades inconvenientes e defendendo com paixão os direitos universais à terra, ao teto e ao trabalho. Chamaram-no de "comunista", termo costumeiramente utilizado contra quem luta por justiça social. Francisco não se abateu. Seguiu sorridente, afirmando que lutar por um mundo justo é verdadeiramente viver o Evangelho.

         Seu pontificado, foi breve, porém inspirador. E no fim, seu último gesto foi a confirmação final de sua jornada: pediu para ser sepultado não no Vaticano, mas na Basílica de Santa Maria Maggiore, e que calçassem em seus pés os sapatos velhos que usou para peregrinar pelo mundo. Um símbolo poderoso de que a mente professa a partir do chão que os pés pisam.