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domingo, 27 de abril de 2025

Inteligência Artificial: o ocaso de uma era e o alvorecer de outra - parte 1

 

            Ao tomar conhecimento dos grandes avanços na área da Inteligência Artificial (IA), não fui das pessoas mais entusiastas. Obviamente que entendi a potencialidade dessa tecnologia para o futuro da humanidade. Talvez eu tenha um resquício traumático da adolescência, época em que assisti o filme "2001: uma odisseia no espaço", que tinha como vilão o supercomputador HAL 9000, o qual era dotado de inteligência artificial tão avançada que lhe tornou capaz de possuir sentimentos e, acabou desenvolvendo paranóia, colocando em risco a missão dos astronautas e suas próprias vidas, precisando ser sacrificado (desligado), não sem grande relutância e imposição de obstáculos.

            O imaginário popular, os livros e filmes de ficção científica, sempre tiveram como um ingrediente muito frequente, o avanço da tecnologia até o ponto em que ela se volta contra a humanidade. Essa preocupação não é algo apenas da população leiga, importantes cientistas também se preocupam com os rumos que essa revolução tecnológica pode tomar. A classe trabalhadora vem perdendo empregos para o avanço tecnológico a séculos. Na segunda década do século XIX, o movimento Luddista invadia fábricas e quebrava máquinas alegando que estas causavam desemprego. Até aqui, os postos de trabalho mais ameaçados eram os trabalhos menos qualificados (braçais), substituídos por robôs e máquinas semi-autônomas.

             A IA avança agora sobre os postos de trabalho qualificados, pois são gigantescas as possibilidades de sua utilização. A verdade é que os trabalhadores especializados que não forem num futuro próximo diretamente afetados com a perda de emprego para a IA, terão que aprender a trabalhar com ela, afinal, o mundo não será mais o mesmo. Nos escritórios de contabilidade, de advocacia ou de engenharia, nas salas de aula, nas cabines de aviões, caminhões e automóveis, nos sistemas de controle de tráfego aéreo, etc., enfim, é difícil pensar em algo que não possa ter o emprego direto ou indireto da Inteligência Artificial.

            E essa revolução está em curso, as empresas já estão adotando essa tecnologia e, milhões de trabalhadores pelo mundo estão se capacitando nesse nicho promissor, mas que traz preocupações, afinal, o que será da classe trabalhadora? Como poderá o capitalismo sobreviver sem uma grande classe trabalhadora, portanto, consumidora dos produtos que ela própria produz? Essas são perguntas que acompanham a humanidade a cada novo salto tecnológico. Neste momento histórico, outra questão vem se juntar: o que será da classe média, detentora tão somente do capital intelectual?

 

sábado, 12 de abril de 2025

Dois Irmãos

 


Milton Hatoum (1952) é um escritor, tradutor e professor brasileiro. É considerado um dos grandes escritores vivos do Brasil. Hatoum é arquiteto formado pela USP, foi preso durante a ditadura militar por participar do movimento estudantil de oposição ao regime militar. Lecionou Literatura na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e foi professor visitante na Universidade Sorbonne (Paris) e Universidade da Califórnia (Beckerley). Publicou seis romances e dentre outros prêmios, conquistou duas vezes o Prêmio Jabuti (Wikipédia).

            Na obra Dois Irmãos, o narrador é Nael, filho de Domingas, uma "cunhatã" (menina indígena) órfã "adotada" por Halim e Zana unicamente com a intenção de ter uma serviçal em sua casa. Nael tem como seu maior desejo, saber quem é o seu pai, um segredo guardado por sua mãe. Ele conta as histórias que presenciou e as que ouviu dos mais velhos. Halim é um libanês que migrou para o Brasil no início do século XX, se estabelecendo em Manaus, a então pujante capital da borracha. Halim casa-se com Zana, que possui antepassados indígenas. Halim gostava da vida a dois com a esposa, nunca desejou ter filhos, eles vieram. Passou a vida ressentido em dividir a atenção e o tempo da esposa com os três filhos que teve, sendo dois gêmeos (Omar e Yakub) e, Rania, que se torna a sucessora na condução da prestigiada loja da família. A trama se desenvolve em torno da extrema rivalidade dos gêmeos.

            O leitor já deve ter pensado se tratar de mais uma narrativa estilo "Caim e Abel" ou "Esaú e Jacó". Milton Hatoum não caiu nesse clichê, embora no início do livro dê vários sinais nesse sentido. Com o desenrolar da leitura, as personagens vão se tornando mais complexas a ponto de Rania afirmar que Yakub é ainda mais cruel que Omar, o "caçula", o preferido de Zana e por ela mimado. Omar é estudante indisciplinado e relapso, um rapaz preguiçoso, inconsequente e mulherengo. Seu irmão Yakub é estudante elogiado pelos professores, responsável, sério, porém sentindo-se rejeitado, orgulhoso, recusa qualquer ajuda financeira da família. Sozinho, às próprias expensas, muda-se para São Paulo, onde secretamente se casa com a bela manauara Lívia. A moça foi o motivo por trás de uma luta corporal entre os irmãos que causou a Yakub uma grande cicatriz no rosto, única diferença visível entre os gêmeos idênticos. Yakub por seus méritos forma-se engenheiro civil, monta sua própria construtora e enriquece. O ódio é o sentimento alimentado entre os irmãos ao longo de suas existências e, os encontros de ambos sempre trazem preocupação aos familiares.

            A narrativa não é linear e fatos históricos nacionais como a repressão após o golpe militar (1964) estão presentes pela perspectiva manauara, como pano de fundo da trama de ódio recíproco dos irmãos quando de seus encontros. A descrição de lugares no "coração da Amazônia" e a utilização de algumas palavras indígenas e árabes trazem uma sensação de exotismo ao livro. Após ler o livro, fiquei com vontade de conhecer Manaus, a cidade onde a obra foi ambientada.

Sugestão de boa leitura:

Título: Dois Irmãos.

Autor: Milton Hatoum.

Editora: Companhia das Letras, 2006, 198 p.

sábado, 5 de abril de 2025

O Brasil deve um pedido de desculpas à Dilma Rousseff

 

           Há alguns dias, li que a ex-presidenta do Brasil Dilma Rousseff (1947), foi reconduzida ao cargo de presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o banco do BRICS. O NDB tem como propósito ser um contraponto aos draconianos FMI e Banco Mundial. O BRICS, por sua vez, é um grupo de países associados que procuram fazer um contraponto ao grupo dos países mais ricos do mundo (G7) formado por Estados Unidos, Reino Unido, França, Canadá, Itália, Alemanha e Japão, no que concerne à governança global, defendendo uma Nova Ordem Mundial (Multipolar). Não constitui, portanto, um bloco econômico. O BRICS comporta atualmente, além dos membros originais (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), outros seis países. Os países mais influentes do grupo são respectivamente a China e a Rússia.

            No regulamento interno do NDB, os países membros originais, alternadamente podem indicar o presidente do banco por uma gestão (cinco anos). A indicação dela ao cargo, foi obra do Presidente Lula. A sua recondução ao cargo foi por iniciativa da dupla Xi Jinping (China) e Vladimir Putin (Rússia) e  aprovada por unanimidade entre os membros. O motivo: a ótima gestão realizada por Dilma frente ao banco, saneando-o, captando créditos, financiando obras de infraestrutura nos países do Sul Global. O NDB tem como propósito ser um contraponto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial, que constituem instrumentos utilizados pelas velhas potências globais para submeter os países subdesenvolvidos em benefício de seus interesses imperialistas.

            Dilma Rousseff é economista de formação. Opositora à ditadura militar (1964-85), foi presa (1970) e submetida a uma série de torturas sem denunciar seus companheiros de luta. Em 2016, foi cassada por um Golpe de Estado travestido de impeachment, por meio de uma lei que valeu somente para ela, nunca antes e nem depois. Juristas de renome, em entrevistas na mídia digital e impressa afirmaram a ilegitimidade e a ilegalidade do impeachment. Dilma compareceu ao Congresso e encarou os golpistas discursando e olhando nas suas caras, demonstrando a altivez típica dos grandes espíritos, tal como fez na ditadura militar, quando ao ser fotografada manteve a pose e o olhar soberano, enquanto aqueles que a julgavam escondiam seus rostos. Na votação do impeachment, ao declarar seu voto, um deputado intelectualmente medíocre e desprovido de senso de empatia homenageou o coronel Ustra, o torturador de Dilma Rousseff. Dilma perdeu o cargo, porém, manteve sua biografia intacta, pois, foi absolvida posteriormente na Justiça. Não houve crime de responsabilidade (o golpe atendia às exigências do Capital).

            Dilma não foi julgada apenas pelo seu governo (bom ou ruim), mas também por ser mulher. Nas ruas circulavam automóveis com o repugnante adesivo misógino de Dilma Rousseff no bocal do tanque de combustível. Enojado, presenciei à distância uma roda de conversas em que homens afirmavam que "o cargo de presidente não pode ser ocupado por mulher" e/ou que "se é para ter uma mulher, que pelo menos fosse linda" (beleza não é algo exigido dos homens). Não interferi, li e concordo, que "debater com fascistas atrasa a revolução", seja a "revolução em curso", tão somente propiciar às pessoas, o mínimo para que vivam com dignidade e sejam reconhecidas e julgadas respectivamente pelos seus méritos e atos, não pelo seu gênero. Penso que não é preciso ser mulher para pensar dessa forma, basta não ser filho de chocadeira, afinal, todos têm/tiveram mães, podem ter esposas, filhas ou netas.