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sábado, 28 de dezembro de 2024

Feliz Ano Velho

 

            Li o livro Feliz Ano Velho do jornalista, escritor, e dramaturgo Marcelo Rubens Paiva (1959), no ano de seu lançamento (1982), quando tinha recém entrado na adolescência. A obra teve grande impacto na minha vida. Eu costumava ganhar apostas (uma coca-cola) na natação e, alguns de meus adversários diziam, "isso não é um piá, é um peixe". Um dos hábitos que abandonei, foi o "pontaço" em rios e piscinas rasas. Havia desenvolvido uma técnica de pular e no momento que o corpo tocava a água, curvava-o retornando à superfície, evitando o choque com o fundo raso.

            A obra, trata dentre outros temas, do acidente sofrido pelo autor aos vinte anos de idade, quando ao mergulhar em um lago de águas rasas e com pedras no fundo, bateu sua cabeça, quebrando a quinta vértebra cervical e ficando inicialmente tetraplégico. Lembro que dizia ter aprendido um monte de palavrões e gírias com a leitura do livro, porém, ao reler, vejo que não há nele, nada que eu não ouça dos estudantes, e concluo que eu era mesmo muito juvenil. Também descobri a origem de uma frase que costumo dizer à pessoas próximas, em seus momentos de atribulações, "não esquenta, senão caspa vira mandiopã", quando então me perguntam: o que é mandiopã? Mandiopã é um salgado frito semelhante a batata chips "Pringles", mas cuja matéria prima principal é fécula de mandioca. E, claro, a batata "Pringles" é melhor!

            O autor discorre, como disse, sobre o acidente que transformou-se num marco temporal da sua vida (antes/depois). Comenta fatos e momentos pitorescos vividos, seja com amigos ou com as garotas que paquerou, namorou, ficou, e também sobre seu pai, o deputado Rubens Paiva (1929-1971) preso, torturado e morto nos porões da ditadura militar (1964-1985). Fala sobre esperança contra todos os prognósticos em contraponto com os assaltos de angústia e desesperança momentânea. O escritor, à época saudado por seus amigos pela coragem ante o demorado, caro e sofrido tratamento, afirma que não se vê como modelo para ninguém, muitos estão na mesma situação, todos vítimas do infortúnio. Com o tempo, aprendeu a não ligar para os olhares curiosos ou de compaixão, que buscava evitar, não saindo em locais públicos. Marcelo Rubens Paiva se conscientizou, que sua vida será diferente daquela vivida até então, sobre isso, não há o que fazer, mas que havia muito a conquistar na busca do maior grau possível de independência pessoal, essa é a sua permanente luta e objetivo.

Sugestão de boa leitura:

Título: Feliz Ano Velho.

Autor: Marcelo Rubens Paiva.

Editora: Alfaguara, 2015, 272 p.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

A vida como ela é ...em 100 inéditos

Nelson Falcão Rodrigues (1912-1980) foi um escritor, jornalista, romancista, teatrólogo, contista e cronista de costumes e de futebol brasileiro. É considerado o mais influente dramaturgo do Brasil. Pernambucano (Recife) de nascimento e carioca por opção, seus contos são ambientados na cidade maravilhosa, especialmente em suas adjacências.

            Ao ler a obra de Nelson Rodrigues, mesmo o leitor mais desinformado, percebe seu alto potencial cênico para o teatro, a TV e o cinema. No entanto, o leitor "jovem há mais tempo", sabe que sua obra foi encenada em teatros e, provavelmente dela tomou conhecimento por meio da adaptação televisiva da TV Globo. Apesar de ser um apoiador da ditadura militar (1964-1985), Nelson Rodrigues teve obras ou partes dela censuradas. Por apoiar a ditadura militar era criticado pela esquerda e, por denunciar em sua obra a corrupção e a hipocrisia moralista dos conservadores, apanhava também da direita. O escritor publicava seus contos em jornais como Última Hora, Correio da Manhã, Jornal do Brasil e O Globo.

            O livro aqui resenhado "A vida como ela é...em 100 inéditos" parece estar a todo momento respondendo a pergunta "O que é a vida?". E Nelson Rodrigues mostra ao leitor a partir das experiências de sua própria vivência e de sua família, nas quais a tragédia, a farsa, a desilusão foram elementos partícipes. Sua escrita parece querer levar ao leitor ou espectador, por meio de sua ficção, o sabor amargo que um dia sentiu ao viver em meio aos corruptos, aos moralistas hipócritas, aos adúlteros, aos sonhadores, etc. sempre a demonstrar como dizia Belchior (1946-2017) "A vida, ao vivo, é muito pior".

            Nelson Rodrigues, em sua obra, demonstra uma verdadeira tara por atropelamentos por lotações, assassinatos e suicídios por traições e amores não correspondidos. As personagens mudam, mas as tragédias se repetem. O escritor considerava, que todas as pessoas eram corruptíveis. É de sua autoria a frase "O amor compra tudo, inclusive o amor verdadeiro". Não indico o livro em questão, para pessoas sensíveis, pois pode acionar gatilhos emocionais. Trata-se de uma leitura pesada, para algumas pessoas será uma leitura lenta, com pausas necessárias, para preservar a saúde emocional, para outras é uma leitura tranquila e rápida.

Sugestão de boa leitura:

Título: A vida como ela é...em 100 inéditos.

Autor: Nelson Rodrigues.

Editora: Nova Fronteira, 2012, 440 p.

 

 

domingo, 15 de dezembro de 2024

Os europeus: O século XIX e o surgimento de uma cultura cosmopolita


         O inglês Orlando Figes (1959) é historiador e professor de História da Universidade de Londres. É dele a obra (título) aqui resenhada. A capa de seu livro dá o tom de seu conteúdo. Nela há um trem em uma estação ferroviária. A obra trata da transformação da economia, da cultura, enfim, da sociedade, ocasionada pela revolução dos transportes sobre trilhos. A Europa diminuiu de tamanho, tudo ficou mais próximo e conectado. Se o leitor não fugiu às aulas de geografia, sabe que estamos falando da globalização, que não é algo recente, pois começou nas grandes navegações (Séc. XV), porém, o surgimento da sociedade cosmopolita, inicia-se na Europa, no século XIX, com o advento dos trens.

            O século XIX foi um período de grandes inovações, o trem, à época, foi talvez, a mais importante, pois possibilitou a ampliação dos mercados de literatura, de artes gráficas, da música, da informação, do conhecimento e, também do turismo. É nessa época que surgem agências de turismo e grupos de viajantes. Esse também foi o momento em que artistas passaram a se deslocar mais facilmente para outras cidades e países, promovendo seus shows e exposições. Livros foram então  lançados, publicados e lidos  em diferentes países ao mesmo tempo (piratas ou não). E por isso, iniciou-se a discussão sobre copyright, que deram origem às leis atuais sobre o tema.

            Engana-se o leitor, caso pense que o livro é uma obra tecnicista, embora, em alguns momentos pormenorize alguns aspectos óbvios. O livro traz também aspectos íntimos de importantes personalidades históricas da literatura e da música clássica. Aborda a convivência nem sempre fácil entre personagens de valores aquilatados por sua cultura e fama, sua genialidade e gênios nem sempre fáceis de conviver.

            O trem é a personagem principal da obra, mas, as personagens que fazem a amarração dos fatos históricos são o casal francês formado pelo escritor, tradutor, historiador e crítico de arte Louis Viardot (1800-1883) e sua esposa, a cantora soprano Pauline Viardot (1821-1910) e, o romancista, poeta, tradutor, escritor de contos e novelas, dramaturgo e divulgador da literatura russa na Europa Ocidental, Ivan Turguêniev (1818-1883). Orlando Figes discorre sobre o surgimento da sociedade cosmopolita europeia por meio dos trilhos cuja estação de partida e de chegada é sempre o lar (onde for) do  "trio ou triângulo" (Casal Viardot e Turguêniev). Paro aqui, pois já estou dando pistas demais e, fofocas, mesmo que literárias, não fazem parte do escopo dessa coluna.

Sugestão de boa leitura:

Título: Os europeus: O século XIX e o surgimento de uma cultura cosmopolita.

Autor: Orlando Figes.

Editora: Record, 2022, 644 p.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Caetés

 

  


        A obra Caetés de Graciliano Ramos foi publicada originalmente em 1933. Trata-se de seu primeiro livro. Na trama narrada pela personagem principal João Valério (um guarda-livros da empresa Irmãos Teixeira de propriedade de Adrião e Vitorino Teixeira) lamenta-se nada ter herdado do passado glorioso de sua família. Não herdara propriedades, dinheiro, nem posição social de destaque. João Valério, deseja se afirmar na sociedade, ser reconhecido, galgar posições na hierarquia social de Palmeira dos Índios (Alagoas). Considera que sua juventude e intelectualidade são trunfos para tal.

            O guarda-livros, sabe ser muito bom em seu ofício, carismático, passa a frequentar a casa dos patrões, especialmente a de Adrião Teixeira (casado com Luísa). João Valério participa de jantares e jogos de cartas, mas o reconhecimento que busca está muito além do que lhe prestam seus patrões, que tem nele, um amigo. Além da escrituração dos negócios da empresa, João Valério escreve um romance histórico sobre os índios Caetés, os quais ficaram conhecidos além mar, por terem devorado o Bispo Sardinha. Com tal livro, pretende alcançar reconhecimento e projeção social, pois muito lhe entristece seu papel subalterno na sociedade.

            João Valério se apaixona por Luísa, que com ele, gosta de entabular conversas sobre literatura. João Valério, num arroubo de paixão e de atrevimento, dá um beijo em Luísa. À reação de Luísa, percebe que teve uma atitude tresloucada, se afasta da casa de Adrião e, passados alguns dias, ante ao questionamento deste, sobre o motivo pelo qual não tem comparecido em sua casa, entende que Luísa nada contou sobre o ocorrido.

            O guarda-livros retorna ao convívio dos Teixeiras, e inicia um romance com Luísa. Adrião nada percebe, mas há pessoas da sociedade para as quais nenhuma discrição é suficiente. Sociedade esta, cujas principais personalidades são descritas por João Valério no convívio que com elas tem ao longo do livro. No entanto, uma carta denúncia chega ao marido traído e, este interroga João Valério que nega tal romance. Adrião acredita no guarda livros apesar dos murmúrios que circulam na cidade. Passados algum tempo, Adrião adoece gravemente e, após alguns dias morre. Luísa é agora uma viúva, a sociedade acredita que agora eles podem e até mesmo devem se casar como forma de apagar a nódoa de seu passado comum. Mas, será esse o desejo de Luísa? E o solteiro João Valério,  marcado pelos dissabores vividos, ainda deseja o enlace?

Sugestão de boa leitura:

Título: Caetés.

Autor: Graciliano Ramos.

Editora: Record, 2019, 336 p.

 

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Apontamentos sobre a privatização da educação chilena - parte 6

 

      Polanco disse que os estudantes eram organizados e faziam enfrentamentos e ocupações de escolas que duravam meses e que no Chile, o Sindicato Nacional dos Professores era puxado pelos estudantes, pois, os professores apesar dos seus baixos salários, receavam entrar em greves e serem demitidos. Os contratos de trabalho dos professores eram muito diferentes entre si, dependia da escola que o professor era contratado. Algumas ofertavam contratos temporários, em que os professores não recebiam as férias/recesso (dois meses) e, havia professores que economizavam durante o ano para passar o período em que não receberiam salários ou, realizavam "bicos" para se manter.

            Agustín relatou que sua mãe era professora, mas tinha contrato permanente, ou seja, recebia doze salários anuais. Em geral, o salário do professor chileno é baixo para o custo de vida do país que é mais elevado do que o brasileiro. Polanco disse se espantar com a falta de participação e luta dos estudantes e professores nesta proposta de privatização das escolas públicas paranaenses. Esclarecimentos lhes foram dados quanto a isso.

            Encerro a temática, lhes contando que ouvi de algumas pessoas que: "os professores não querem a privatização das escolas públicas, por que não querem virar CLT!". Ocorre que a maior parcela dos professores do Paraná já possuem contratos precarizados (PSS), que são regidos pela CLT. Isso, apesar da legislação determinar que os funcionários públicos devam ser preferencialmente estatutários. Ao ouvir a fala das referidas pessoas lembrei-me de uma frase de Simón Bolívar (1783-1830), quando disse: "Um povo ignorante é o instrumento cego de sua própria destruição".

            A privatização da escola pública é o início do desmonte do Estado de Bem-Estar Social proposto pela Constituição Federal de 1988.  Quando você precisar dele e ele, não mais existir, você entenderá. Quando tiver que pagar parte ou a integralidade das mensalidades, mesmo em escolas e universidades públicas. Quando tiver que vender casa, carro ou realizar uma ação entre amigos para que você ou alguém de sua estima possa ser operado. Agustín relata que faziam bingos para arrecadar dinheiro para tratamento médico de pessoas do convívio. No Chile, ninguém espera nada do governo, por que ele nada tem a oferecer, pois é Estado Mínimo. Estado esse que é o sonho dos neoliberais.