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quarta-feira, 30 de outubro de 2024

O fim do homem soviético

 

            


A história costuma ser contada a partir da versão dos vencedores. Por isso, muita informação se produz de forma incompleta ou manipulada. E isso não é algo à toa, pois, há uma clara intencionalidade, a conquista da hegemonia do discurso. A história oficial (com claro viés ocidental) registra que o dia da virada dos rumos da Segunda Guerra Mundial foi 06 de Junho de 1944 (o dia “D”) quando ocorreu a invasão da Normandia por tropas aliadas que cruzaram o Canal da Mancha e adentraram em território francês ocupado pelas tropas nazistas. A história oficial concede aos Estados Unidos da América o papel principal na derrocada do regime nazista, mas, a história está sendo revisada, e sabe-se que o início do fim do regime nazista, foi a derrota alemã para tropas soviéticas na batalha de Stalingrado.

            A União Soviética teve a maior perda de vidas humanas de toda a Segunda Guerra Mundial, estima-se que para cada soldado alemão morto em combate morreram dois soldados soviéticos. A União Soviética após ter parte de seu território ocupado por tropas alemãs que chegaram às cercanias de Moscou retomou o fôlego e expulsou as tropas nazistas de seu território e de todo o leste europeu, libertando inclusive os prisioneiros dos famigerados campos de concentração até a conquista do bunker nazista em Berlim. Antes disso, Stalin implorava para que os Estados Unidos abrisse outro front contra a Alemanha, pois, esta concentrava a maior parte de seu arsenal contra a URSS e caso fosse atacada em dois flancos, teria que dividir suas forças, mas, os EUA hesitavam (o que irritava Stalin). Mais tarde, quando viram que havia a possibilidade de a URSS sozinha dar conta da Alemanha apressaram-se em desembarcar na Normandia com o receio de que o destino da Europa ficasse sob a influência soviética.

            A escritora e jornalista bielorrussa Svetlana Aleksiévitch se insere nesse grupo de pesquisadores que tem revisitado a história na busca de relatos que fogem ao habitual. Ao invés de buscar as fontes oficiais de informação e os personagens de alta graduação, ela vai ao encontro do andar de baixo para buscar no meio do povo a história não contada da superpotência soviética. Svetlana ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 2015 e entre suas principais obras estão “Vozes de Chernobyl”, “A guerra não tem rosto de mulher” e “O fim do homem soviético”. Este escriba, após a indicação de uma amiga virtual, tratou de comprar e ler a obra “O fim do homem soviético”. Nesta obra Svetlana, com seu gravador e bloco de anotações visita as cozinhas de várias residências, pois, é nestas segundo o antigo costume soviético que se recebia as pessoas e onde ocorriam as acaloradas discussões acerca da vida naqueles tempos.

            Svetlana buscou memórias de pessoas da sociedade sobre como elas viram a história passar diante delas. Aleksiévitch priorizou as pessoas que viveram os tempos de Stalin, Krushev, Brejnev, Gorbatchev e Ieltsin. Procurou deixar as pessoas à vontade, pois, queria apenas as impressões das pessoas sobre os tempos passados e atuais. O livro é excelente e nele há todo tipo de relato, desde mulheres lindas que se casam com homens machistas, beberrões e violentos aos fatos envolvendo o período de grandes transformações da superpotência soviética e seus personagens principais. Há relatos de dificuldades na sobrevivência diária, a falta de produtos, bem como, declarações acerca da camaradagem entre as pessoas que na visão delas com o advento do capitalismo se extinguiu. Há depoimentos de pessoas desiludidas com o capitalismo, pois, tinham uma esperança acerca dele que não se concretizou e que afirmaram que os proprietários de grandes fortunas são criminosos que se apossaram das riquezas nacionais. Há também depoimentos de pessoas que se sentiram traídas, pois, apoiaram Gorbatchev e Ieltsin pensando que o socialismo seria reformado e não extinto. Ler a obra de Svetlana é mergulhar na história não contada ou que não se quer contar!

Sugestão de boa leitura:

Título: O fim do homem soviético 

Autor: Svetlana Aleksiévitch.

Editora: Companhia das Letras, 2016, 600 p.

 

terça-feira, 22 de outubro de 2024

Política é a arte do ilusionismo - Série Vale a Pena Ler de Novo!

 

        Espetáculos de ilusionismo consagram artistas talentosos em distrair o público. Estes são especialistas em fazer as pessoas prestarem atenção a algo enquanto operacionalizam a “magia” fora do campo visual destas. O estadunidense David Copperfield ficou internacionalmente famoso por seu talento nesta arte de ludibriar o público. Em seus espetáculos, o público paga para ser enganado e fica feliz em sê-lo. O espanto se segue aos questionamentos de como o artista realizou a proeza sem ter sua estratégia desmascarada. O artista não conta seus segredos. O único a fazê-lo, conhecido como “Mister M” ganhou a antipatia de colegas de profissão, pois a atividade é o ganha-pão de inúmeros artistas.

            Iludir o povo também é uma atividade vantajosa para os políticos vigaristas que assim agem com promessas e discursos que fogem à realidade de suas ações políticas. A política é a arte do ilusionismo. Ao se fazer a análise dos discursos em época de campanha, é fácil observar que independentemente da ideologia do partido ao qual pertence o candidato, as promessas são de mais investimentos públicos em educação, saúde, ciência, segurança e infra-estrutura. No momento da campanha, os candidatos costumam falar das mazelas que afligem a sociedade e da necessidade de construir um país com oportunidades para todos e com menos injustiça social.

             A direita costuma praticar esse ilusionismo. Faz campanha com propostas à esquerda. Fala em aumento de investimentos públicos em educação, saúde, ciência e infra-estrutura e isso é algo que contraria a doutrina do Estado Mínimo, a pedra basilar do neoliberalismo que defendem de forma fundamentalista. Os eleitores da direita (exceto os que formam a elite nacional do dinheiro, o 1% mais rico) são os espectadores que pagam para serem ludibriados. Querem que o Estado seja o indutor do desenvolvimento sócio-econômico e, portanto, que invista em educação, saúde, ciência e infra-estrutura. Surrealmente, colocam no poder quem entende que tais atividades devem ser exercidas pela iniciativa privada, e, dessa forma, no poder, tudo fazem para sabotar a educação, a saúde, a ciência, as empresas estatais como a Petrobras, etc. Estes buscam convencer o público (quando não dele pouco caso fazem, ao não prestar contas de suas ações) de que o Estado é ineficiente, e que o maior benefício para a sociedade é privatizar tudo, pois, somente a iniciativa privada é capaz de administrar de forma competente e sem corrupção, embora a realidade desminta isso.

            A política é a arte do ilusionismo. Os políticos contam com a ajuda da Grande Mídia em seus “abracadabras” no poder. Durante décadas observei ações deletérias ao interesse público serem omitidas, ou receberem pouca atenção pelas grandes redes de TV enquanto estas davam destaque a jogos de futebol, ao carnaval, etc. visando distrair o público daquilo que causaria sua revolta. A “mágica” da política se faz nos bastidores, longe do olhar e da atenção do povo. Para que a “mágica” se realize, é necessário distrair o olhar do povo.

            A Alemanha nazista fez isso ao ensinar o ódio aos judeus que foram culpabilizados pelos problemas alemães. Os fascistas que deram o golpe de 2016 no Brasil, também assim agiram ao ensinar o ódio ao PT, Lula e Dilma culpabilizando-os pelos problemas nacionais. Na Alemanha, se utilizava rádios e jornais para a doutrinação nazista da população. No Brasil, se utiliza principalmente a TV, embora jornais e rádios também sejam importantes na alienação e desinformação da população. Midiota é o termo utilizado para designar a pessoa alienada e doutrinada pela Grande Mídia que não apenas representa os interesses do grande capital nacional e estrangeiro como dele é parte integrante. Dessa forma vemos no Brasil, pessoas defendendo políticos, partidos e ações políticas contrárias aos seus próprios interesses. São os analfabetos políticos no dizer de Brecht.

            Para distrair o olhar do público, a Grande Mídia atraiu a atenção deste para a “condenação” certa de Lula (mesmo sem a existência de nenhuma prova concreta), pois, surpresa seria se assim não ocorresse, afinal, a operação Lava-Jato foi do exterior encomendada e projetada para tal fim. Pouco destaque foi dado à aprovação da reforma trabalhista que desfigura a CLT e decreta severa fragilização e empobrecimento da classe trabalhadora. Li as alterações na lei e digo sem medo de errar: não há nada ali que realmente beneficie a classe trabalhadora, somente aos empresários. Até porque para ampliar direitos trabalhistas não havia necessidade da reforma, a lei já permitia isso, apenas estabelecia que o disposto na CLT fosse a base.

            Grande parte da classe trabalhadora fustigada permanece com o olhar desviado da área em que a ação ocorre... É preciso educar o olhar e direcioná-lo para onde a elite do dinheiro que patrocina este triste e lamentável espetáculo não deseja!

Série Vale a Pena Ler de Novo! Artigo originalmente publicado em 20 de Julho de 2017.