Por mais que sua obra e seu talento
sejam considerados completos, Jair foi um daqueles gênios da música que ouvir
cantar nunca era o bastante e, lamentavelmente a cortina do espetáculo baixou e
por mais que peçamos bis com aplausos ininterruptos ele não voltará para dar
uma palinha, nos deixando a impressão que alguma coisa faltou e também que em
termos de música de boa qualidade estamos ficando cada vez mais sós. O andar de
cima está cada dia mais reforçado e, muitos dos grandes ícones da música de boa
qualidade já estão vivendo o quarto final de suas vidas, penso que não devemos
perder oportunidades de assistir seus shows, pois, embora o show deva
continuar, o artista inevitavelmente um dia deixa o palco vazio.
Emociono-me quando assisto a
apresentação de Jair Rodrigues no festival de 1966 interpretando “disparada”,
genial letra de Geraldo Vandré, o autor da não menos genial “Prá não dizer que
não falei das flores”. Ambas as letras tornaram-se hinos cantados pelas
multidões, assaltadas que foram, do direito de expressar sua opinião pelos
usurpadores da democracia que se instalaram no poder num certo dia 1º de Abril
e que fizeram do terrorismo de Estado a ordem do dia. Contra toda a dor e
desencanto que um grupo de lunáticos estabelecidos no Poder estavam causando,
Jair seguiu cantando, sorrindo e amenizando o sofrimento presente em todo
lugar.
É tarefa difícil escolher uma
estrofe de “disparada” para citar neste artigo, pois, “disparada” é toda
genialidade e ganhou a eternidade na interpretação inigualável de Jair
Rodrigues, pois, embora outros cantores a interpretassem maravilhosamente após
1966, ninguém colocou tanto a alma e o coração nessa letra quanto ele. A música
começa pedindo para prepararmos o coração, justamente o coração que levou Jair
embora: “Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar / Eu venho lá do
sertão, eu venho lá do sertão / Eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar /
Aprendi a dizer não, ver a morte sem chorar / E a morte, o destino, tudo, a
morte e o destino, tudo / Estava fora do lugar, eu vivo prá consertar” e em
outra estrofe: “Então não pude seguir valente em lugar tenente / E dono de gado
e gente, porque gado a gente marca / Tange, ferra, engorda e mata, mas com
gente é diferente / Se você não concordar não posso me desculpar / Não canto
prá enganar, vou pegar minha viola / Vou deixar você de lado, vou cantar noutro
lugar”.
Jair, não teve vida fácil, ralou
muito, foi engraxate, mecânico e pedreiro, serviu também o Exército, foi cantor
de boate e artista completo desfilou nos palcos da MPB, do samba e até da
música sertaneja em que interpretou brilhantemente a música “A Majestade, o
Sabiá” cuja composição é de Roberta Miranda.
Vivemos num tempo em que não são
poucas as pessoas que se ocupam mais da vida alheia do que de seus
próprios interesses, o que faz com que as pessoas que menos apreciam-nos serem
as que mais prestam atenção a tudo o que fazemos, escrevemos e dizemos. É uma
triste época, ninguém escapa aos rótulos, se faz algo bom, tem algum interesse
embutido nessa boa ação ou quer se aparecer, pois, na mentalidade mercenária
que domina a cabeça de muitos, não se concebe que outras pessoas possam pensar
diferentemente e agir visando algo que não a satisfação própria. Se defender
vigorosamente os fundamentos que balizam o seu pensamento é um radical, e se
pensa diferente é um revoltado, mesmo quando aqueles que criticam ingerem senso
comum e vomitam reacionarismos fascistoides.
Para todas as pessoas que sofrem com
os rótulos deixo como dica a estrofe inicial de “Deixa isso prá lá”
interpretada por Jair Rodrigues. “Deixa que digam / Que pensem que falem /
Deixa isso prá lá / Vem pra cá / O que é que tem? / Eu não tô fazendo nada /
Nem você também / Faz mal bater um papo / Assim gostoso com alguém?”