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domingo, 11 de setembro de 2022

Senhor e servo (com spoiler)


 Não tenho a predileção pela leitura de contos, menos ainda de resenhá-los neste espaço. Gosto de obras com maior número de páginas para nelas fazer uma imersão. Lembro de ter assistido uma booktuber (apresentadora de canal do You Tube com foco na literatura) fazer uma analogia com o boxe afirmando que enquanto o autor de um romance precisa ganhar o leitor por pontos, ou seja, ao longo de um número maior de páginas, o escritor de contos tem que ganhá-lo por nocaute, afinal os contos possuem um número pequeno de páginas (ou agrada de cara ou não agrada). Faz muito sentido, pois ao lermos obras extensas, muitas vezes nos deparamos com momentos entusiasmantes e enfadonhos na mesma obra. Um livro cuja leitura inicialmente não empolga, pode nos prender ao longo dos capítulos. O conto não tem páginas suficientes para tal recuperação perante o leitor.

            Apreciador da literatura russa, embora nela seja ainda iniciante, este escriba tem em Liev Tolstói (1828-1910) um de seus autores prediletos. Liev Tolstói, o autor de "Guerra e Paz" e Anna Kariênina (dentre outras obras) é considerado um dos maiores nomes da literatura russa. O autor é conhecido por seus livros generosos no número de páginas, porém, também se aventurou (com sucesso) nos contos. A literatura quanto à complexidade e extensão da obra costuma ser dividida de forma crescente em contos, novelas e romances. O livro "Senhor e servo e outras histórias" traz além daquele que lhe dá o titulo, os contos "O prisioneiro do Cáucaso" e "Deus vê a verdade, mas custa a revelar".

            No conto "Senhor e servo" Vassili Andreitch é um rico proprietário que deseja aumentar suas terras, para tal planeja adquirir um bosque que se encontra à venda. Outras pessoas estão interessadas em adquirir tal propriedade. Vassili planeja viajar para fazer uma proposta diretamente ao vendedor. Como receia perder o negócio, ordena que o servo Nikita prepare o cavalo e o trenó para que parta sem demora. Diante do mau tempo (o inverno trouxera fortes nevascas), sua esposa grávida pede para que ele leve o servo junto, algo que inicialmente não lhe agrada, mas, acaba concordando. O servo que conduz o trenó lhe pergunta se devem ir pelo caminho mais longo que é melhor sinalizado e mais seguro ou, pelo caminho mais curto, que no entanto é mal sinalizado e mais visado para assaltos. O senhor ordena que é para ir pelo caminho mais curto, pois conhece o caminho e chegarão ainda de dia (sem perigos) para ter com o vendedor do bosque. Nikita, o servo obedece (não fez outra coisa na vida) embora não lhe pareça sábia a decisão, pois a nevasca está forte.

            O caminho mais curto é também desabitado e logo percebem que não conseguem encontrar os poucos marcos sinalizadores da estrada. Decidem soltar a rédea do cavalo confiando no instinto de orientação do animal, mas, este os leva até uma vila que se encontra fora do caminho que deviam ter tomado. Voltam na direção que deveriam seguir e se perdem novamente e acabam voltando a vila onde são recebidos na casa de um morador onde se alimentam e se aquecem. A família que os acolheu se encontra num momento em que os ânimos estão acirrados, pois os filhos cobram a divisão das terras, algo que o patriarca é contra, pois, quer todos trabalhando juntos na propriedade. Ante a recusa de Vassili ao convite para que dormissem na casa por receio de perder o negócio, um dos filhos montado a cavalo guia os aventureiros até o local onde se inicia a estrada, porém, quando iniciam a viagem sozinhos, não demora muito e eles novamente se perdem. O servo desce do trenó e, ao tentar caminhar para se localizar cai em um abismo. Não se machuca, levanta e consegue voltar ao trenó. Avisa ao seu senhor que precisarão encontrar um local seguro e passar a noite na estrada. Vassili pensa no risco de perder o negócio, mas não vê saída.

            O servo cobre o dorso do cavalo com uma manta, deixa o pequeno trenó para seu patrão dormir e, com palha forra o chão gelado atrás do trenó onde dorme com sua pouca e surrada vestimenta. O senhor sempre pensando em como ganhar dinheiro e ante a possibilidade de perder o negócio e também de morrer ali mesmo naquela noite, pega o cavalo e com ele tenta achar o caminho deixando o servo para morrer. O servo implora que o senhor deixe a manta do cavalo, mas, ele se vai. A nevasca piora, o cavalo ante um perigo empina e o senhor cai. O cavalo foge, Vassili resolve seguir os seus rastros e acaba encontrando-o junto ao trenó onde havia ficado o servo. Ao chegar, amarra o cavalo, organiza as coisas e ao ver o servo imóvel, percebe que ele embora esteja congelado ainda vive. Deita-se sobre ele na esperança de que na troca de calor os dois sobrevivam. Enquanto tenta aquecer o servo, Vassili tem sua mente agitada com ideias sobre o sentido da vida, o qual não é unicamente ganhar dinheiro, mas, ajudar as pessoas. No dia seguinte, os mujiques (servos) resgatam os três da neve, estão mortos o senhor e o cavalo. Nikita, o servo, vive por mais vinte anos nos quais continua trabalhando nas terras que Vassíli deixou para os herdeiros. Ao perceber que está velho e dando trabalho para as pessoas (Nikita, que tantas vezes pensou que ante sua vida de pobreza, na qual nada fez senão obedecer, trabalhar e ser explorado morrer não seria de todo mal) resolve que já teve o bastante e se entrega tendo uma tranquila passagem para o outro plano espiritual.

Sugestão de boa leitura:

Título: Senhor e servo e outras histórias.

Autor: Liev Tolstói.

Editora: L&PM, 2009, 128 pág.

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