Powered By Blogger

sábado, 26 de março de 2022

A Rússia na Guerra Fria 2.0 - parte 3

 

            É consenso que todo país tem direito de livremente fazer suas escolhas. Mas existem escolhas insensatas, equivocadas e prejudiciais que jamais devem ser tomadas. Há alguns dias a OTAN recusou-se a fazer uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia (sitiada pela Rússia) pois, caso fizesse teria que utilizar suas aeronaves para patrulhar os céus daquele país e abater todo caça russo que estivesse na área e isso seria o início da terceira guerra mundial. É uma pena que tal sensatez não tenha sido adotada pela OTAN ao fazer sua expansão para o leste europeu. Basta olhar um mapa da Eurásia e ver porque a Rússia se sente insegura com a presença cada vez maior desta aliança em suas fronteiras, afinal, um cerco está sendo fechado em seu entorno. Lembro do livro "A arte da Guerra" de Sun Tzu, um estrategista militar chinês que deixou para a humanidade essa obra fantástica cujos ensinamentos são muito utilizados em diversas áreas (esportes, negócios, educação e, claro, militar). Sun Tzu professorou que "Se você não deseja um embate direto com seu inimigo, nunca o cerque, deixe sempre um espaço para a sua retirada, caso contrário, em não tendo saída, ele lutará encarniçadamente contra você".

            Lembremos da Crise dos Mísseis de 1962, naquela ocasião como revide ao fato dos EUA terem implantados mísseis nucleares na Itália e na Turquia, a URSS implantou mísseis nucleares em Cuba. Quase houve uma guerra nuclear entre as duas superpotências. Ambas cederam e retiraram seus mísseis e é devido a esse fato que você está lendo essas linhas. Há alguns dias, o presidente russo Vladimir Putin acenou que tal como os EUA se julgam no direito de colocar bases militares nas portas da Rússia, a Rússia poderia pensar em instalar bases militares em Cuba e na Venezuela. Foi o suficiente para que Washington respondesse que tomariam as medidas necessárias para evitar a "desestabilização" da América Latina. Por desestabilização entendam a perda do seu controle total sobre a região tratada como seu quintal.

            Com o fim da Guerra Fria em 1991, com a derrocada do perigo representado pela extinção do Pacto de Varsóvia e do desmoronamento da URSS e, mais, com o colapso das economias daqueles países que faziam a transição para o capitalismo é de se perguntar: por que a OTAN ainda existe? A resposta é que sempre há um inimigo e se não há, ele precisa ser criado. Afinal, é necessário justificar perante o contribuinte que paga a conta dos fabulosos gastos militares a necessidade da manutenção dessa gigantesca máquina de guerra. É importante salientar também que a indústria de armamentos é muito lucrativa e contribui fortemente com recursos financeiros para as campanhas parlamentares e presidenciais. Isso posto, é importante lembrar que a OTAN nascida como aliança militar defensiva passou a ser a ponta de lança do imperialismo estadunidense e europeu na região do Velho Mundo, afinal, intervenções militares dessa aliança foram realizadas contra países que jamais ameaçaram a segurança de qualquer de seus membros, exemplos são as intervenções da OTAN no Kosovo, no Afeganistão e na Líbia.

            O decadente imperialismo europeu, perdeu o trono, mas, não a majestade e precisa do apoio militar estadunidense para com mãos armadas defender os seus interesses estratégicos. Os Estados Unidos da América, a nação mais beligerante do planeta e, cujos discursos moralistas sobre a democracia, o respeito aos direitos humanos e a paz, demonstram ter os governantes mais hipócritas do mundo, precisam manter a OTAN como um braço direito para os seus interesses estratégicos mais escusos e como justificativa para manter bases militares na Europa. O império estadunidense está em declínio e, como os demais impérios que lhe precederam, tudo faz para evitar a derrocada. Os EUA são a nação mais endividada do planeta, e seus gastos militares estratosféricos (para manter a fabulosa máquina de guerra de que dispõe) contribuem para o sempre crescente déficit orçamentário, que tem na China seu maior credor. Os EUA precisam do apoio militar e financeiro da Europa e há muito reclamam do baixo investimento de países como a Alemanha no setor militar. A se tomar como fato, os discursos de líderes europeus, a Guerra na Ucrânia deu início a uma nova corrida armamentista no velho continente. Enquanto mulheres choram a perda de seus entes queridos, homens à frente da indústria de armas sorriem!

segunda-feira, 21 de março de 2022

A Rússia na Guerra Fria 2.0 - parte 2

 

                A desintegração da URSS trouxe para as pessoas ingênuas, a falsa impressão de um mundo mais seguro. Foi o "equilíbrio do terror", ou seja, a impossibilidade de um confronto direto entre as superpotências que evitou a Terceira Guerra Mundial/Guerra Nuclear, dado o fato que implicaria na destruição mútua assegurada (MAD). A Rússia, como dissemos, abriu mão da disputa pela hegemonia mundial, afinal, o desmantelamento territorial e econômico do país exigiam a atenção total de seus governantes que precisavam conter novos focos separatistas. A transição do país para o capitalismo foi traumática, com ela veio o fim de vários serviços públicos gratuitos oferecidos pelo Estado socialista, fato que muito desagradou a população. A Rússia é hoje um país capitalista e, como tal possui os problemas característicos deste sistema.

            Moscou é atualmente, a capital de país com o maior número de bilionários. Significativa parcela dessas fortunas são de antigos burocratas soviéticos, que, por suas relações de proximidade com o poder (corrupção) se tornaram proprietários de empresas e detentores de direitos que os tornaram em magnatas. O povo em geral, não teve a mesma sorte. O poder aquisitivo e a qualidade de vida despencaram com o fim do socialismo e da política de pleno emprego do país. Inúmeras reportagens foram realizadas no país e nelas, pessoas choravam pelo fim do socialismo, enquanto outras (em pequeno número) exibiam-se com seus iates, helicópteros e carros de luxo. A miséria, a fome, o desemprego reinaram forte nos anos que se seguiram ao fim da URSS. A situação começou a melhorar com a ascensão de Vladimir Putin ao poder no ano de 1999. Ainda assim, a Rússia é hoje um país com uma das maiores desigualdades sociais do mundo, embora esteja melhor neste quesito do que o Brasil.

            A Rússia (herdeira da URSS) foi admitida ainda nos anos 1990 no G7 (sete nações mais ricas do mundo) e que passou a se chamar G8, no qual a Rússia, fazia um papel de primo pobre, sendo considerada apenas pelo fato de ainda manter um poderoso arsenal nuclear. A Nova Ordem Mundial pós Guerra-Fria se fez unipolar do ponto de vista militar, pois, contava com uma única superpotência militar (EUA) e multipolar na esfera econômica, com a forte ascensão da União Europeia, do Japão e mais recentemente da China. Houve muitas reuniões entre os EUA e a Rússia tendo como tema o desarmamento nuclear e o fim das hostilidades entre os países.

            Os Estados Unidos e a OTAN se comprometeram verbalmente de não pressionar/encurralar a Rússia em suas fronteiras (países limítrofes). No entanto, a OTAN que nasceu como uma aliança político-militar de proteção contra um eventual ataque de país/países socialistas a algum de seus membros, não cumpriu a promessa e em ondas sucessivas de ampliação de sua área de atuação foi incorporando novos aliados demonstrando aplicar a teoria geopolítica clássica da Heartland (coração da Terra) do geógrafo inglês Halford Mackinder (1861-1947) segundo a qual "quem controlar o leste europeu controlará toda a Eurásia e, quem controlar a Eurásia, governará o mundo". O leitor já deve ter percebido que há muitas fichas sobre a mesa de jogo referente à Guerra na Ucrânia e elas não são resultantes apenas das apostas de Rússia e Ucrânia, mas, principalmente dos Estados Unidos da América e dos países da OTAN que têm mais a ganhar com a referida  guerra do que os referidos contendores.

 

domingo, 6 de março de 2022

A Rússia na Guerra Fria 2.0 - Parte 1

 

          Guerra Fria foi o termo utilizado para designar a rivalidade entre Estados Unidos da América (EUA) e a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) no período compreendido entre 1945 (bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki) e o fim da superpotência socialista em 1991. A superpotência capitalista (EUA) e a superpotência socialista (URSS) buscavam a hegemonia mundial. Desse modo, o mundo foi dividido em dois blocos principais, o capitalista e o socialista. Havia ainda um terceiro bloco de países (os não alinhados) e que contava com países capitalistas e socialistas que discordavam (em meu ver, acertadamente) da forma de atuação de ambas as superpotências. A corrida espacial e a corrida armamentista do período (passadas três décadas) ainda afetam o mundo atual, afinal, muitas tecnologias (para o bem ou para o mal) foram criadas e aperfeiçoadas com base em conhecimentos desenvolvidos no período. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi criada em 1949 e, na época, tal como no jogo de xadrez, a ação preventiva de um lado gera outra no lado oposto, em 1955 era criado o Pacto de Varsóvia. Ambas eram alianças político-militares de apoio militar mútuo no caso de um ataque a um dos membros por parte de um país ou de toda a aliança militar adversária.

            É importante lembrar que o acirramento da corrida armamentista foi uma estratégia estadunidense para quebrar a economia soviética. A superpotência socialista precisava investir 40% de seu orçamento na economia militar para fazer frente aos EUA que precisava gastar menos (12%). A economia civil da URSS ia mal, precisava de mais investimentos. O povo tinha dinheiro, mas, a produção de artigos de consumo duráveis e não duráveis para a população era insuficiente e isso a incomodava. Obviamente que a falta de liberdade de expressão (de democracia) também foram fatores que ajudaram a causar o desgaste junto à população, mas, esta (em sua maioria) queria mudanças e, não especificamente o fim do socialismo, pois, também era crítica ao capitalismo. O governo do reformista Mikhail Gorbachev (1985-1991) era de coalizão (membros reformistas e linha-duras). O Secretário Geral do PCUS (Partido Comunista da União Soviética) que governava o país era pressionado pelos reformistas que desejavam acelerar as reformas e pelos linha-duras que não queriam as reformas e desejavam a manutenção do regime e do status da URSS na Guerra Fria.

             Gorbachev insistia muito em tratados de desarmamento com os EUA. Desejava fazer a Perestróica (reestruturação da economia soviética) investindo mais na economia civil e menos na economia militar e, para tal precisava de um tratado de contenção de gastos militares, afinal, a URSS também não podia se tornar frágil perante os EUA. Gorbachev pretendia também implantar sua política da glasnost (transparência) que visava democratizar o socialismo soviético, ou seja, abandonar o autoritarismo que havia caracterizado o regime e conceder liberdade de expressão para a população e transparência quanto aos atos governamentais. O Leste Europeu aproveita o momento, abandona a órbita de influência da URSS e inicia sua transição para o capitalismo sem que a URSS impeça como fez noutras vezes como no episódio conhecido como Primavera de Praga (1968). Não demorou e as coisas saíram do controle, Gorbachev sofre um golpe de estado, é sequestrado e mantido preso na Criméia. Lideranças importantes das repúblicas soviéticas chamam o povo às ruas e conseguem fazer com que os soldados (atordoados pelos rápidos acontecimentos) troquem de lado. O golpe é frustrado. A URSS se desmantela com a independência de quinze repúblicas a saber: Estônia, Lituânia, Letônia, Ucrânia, Azerbaijão, Cazaquistão, Turcomenistão, Tajiquistão, Uzbequistão, Quirguistão, Belarus, Geórgia, Moldávia, Armênia e Rússia (a maior delas).

            Com a desintegração da URSS em 1991, o Pacto de Varsóvia deixou de existir, pois a superpotência socialista (em crise) não tinha condições financeiras para mantê-lo e, mesmo porque o leste europeu se afastou da URSS. Com sérios problemas separatistas em seu território a Rússia (a herdeira da ex-URSS) se concentrou nestes abandonando seu protagonismo internacional, havia muito o que resolver, dentre estes assuntos urgentes estavam o espólio militar e nuclear da URSS. A Rússia desejava ficar com todo o arsenal nuclear e contou com o apoio dos EUA em tal intento. Os EUA consideravam mais seguro que o arsenal nuclear estivesse todo ele em mãos de um único país (a Rússia), pois, temiam que os artefatos nucleares pudessem ser usados por lideranças extremistas que assumissem o poder nestas ex-repúblicas ou ainda que políticos e militares corruptos os vendessem a terroristas. Além de pressionar, os EUA ofereceram preciosos recursos financeiros para as repúblicas ex-socialistas que se encontravam em crise econômica na etapa de transição do socialismo para o capitalismo e que consideraram ser irrecusáveis. Foi uma atitude sensata por parte destas, pois, as ex-repúblicas não tinham recursos financeiros para a manutenção e modernização do arsenal soviético, exemplo disso é que centenas de aeronaves tecnologicamente avançadas e inúmeros outros equipamentos bélicos modernos (à época) viraram sucatas.