Em 522, motivado por seu apurado senso de justiça
defendeu o senador Albino que havia sido acusado de conspiração para restaurar
a república. O senador Albino desejava aquilo que era vontade de grande parte
do povo, a reunificação do Império Romano e o retorno dos dias gloriosos. Ao
assim agir, Boécio foi acusado como traidor e preso, porém, ao contrário
daqueles que em tal desgraça caíam, não foi executado rapidamente. Encerrado
durante longo tempo em uma masmorra imunda, ele que era bem nascido, filho de
família importante, sendo que também seu pai fora cônsul, passava por sessões
de torturas diárias. Seus familiares e amigos fizeram o que era possível para
livrá-lo, em vão. Políticos de mau caráter e de atitudes desonestas
testemunharam falsamente contra ele. As calúnias aventadas contra ele agravaram
sua situação. Aqueles que lhe julgavam estavam mais interessados em sua
condenação do que na aplicação da Justiça.
Afastado de sua família, com uma rotina diária terrível
de humilhações e dores resultantes das torturas na masmorra, resolveu recorrer
à mulher mais bela, porém austera, que em sua vida conheceu, a Filosofia. Por
meio de tabuinhas e uma cunha registrou suas elucubrações filosóficas, tendo o
cuidado de entregar tais tabuinhas a parentes, nela a sua obra-prima: "A
Consolação da Filosofia". Enquanto esperava o dia da sua execução,
procurou atingir um estágio de grande elevação filosófica e psicológica,
certamente para evitar que fraquejasse ou enlouquecesse e visando manter elevado
seu moral e alcançar a felicidade, a paz, e assim, se preparar para confrontar
a morte. Ao terminar o livro, estava num estado de profunda paz. Apesar de sua
família ter se convertido há um século ao cristianismo, a Igreja Católica
Romana e a Igreja Católica Ortodoxa foram muito cuidadosas e somente o
declararam mártir em 1800, quando foi beatificado por ambas. Tal cuidado se
deve ao fato de que sua obra é a mais pura expressão da cultura greco-romana e
apesar de sua imensa fé em um deus, jamais deixa claro ser o deus cristão.
A obra é escrita na forma de prosa, mas poeta que era,
Boécio entremeia poesias atinentes ao tema em reflexão. É interessante observar
que ele não tinha obras à sua disposição para consultas na masmorra. A obra que
produziu é resultado de suas leituras anteriores à prisão e de sua reflexão. Na
obra poetizou suas dores, as injustiças sofridas, a fortuna dos desonestos e
entabulava diálogos com a Filosofia, bela e austera, ela não tinha receio em
lhe dar reprimendas afirmando-lhe que todo homem que abraça a Filosofia é um
estranho no mundo a ser violentamente rejeitado, mas, que ele não pertencia a
esta pátria, mas, à pátria da Filosofia e, esta não bane seus filhos. Boécio
aconselhado pela Filosofia chega à conclusão que o Universo é cosmos, ou seja
razão, ordem, e não caos, e que a desordem emocional é o esquecimento de quem
ele realmente é. Também concluiu que não se deve dar valor demais ao que lhe
pode ser retirado e que aquilo que realmente é dele ninguém pode tirar. A
falibilidade da Justiça lhe tirou a vida, mas a Filosofia que Boécio trouxe à
luz é cosmos a se contrapor ao caos das mentes rasas e de suas rasas visões de
mundo em todos os tempos. De seu sofrimento, Boécio deixou um legado de luz
para a humanidade.
Sugestão
de boa leitura:
Título: A Consolação da
Filosofia.
Autor: Boécio.
Editora: WMF Martins Fontes, 2012, 2ª edição, 4ª reimpressão, 200 pág.
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