O leitor, caso esteja habituado a frequentar as redes sociais, certamente já leu/ouviu discussões que nelas se popularizaram acerca da expressão cringe. Tendo observado tal fenômeno, algum tempo atrás, procurei saber seu significado e não dei mais atenção ao assunto. Ocorre que alguns dias atrás, um estudante me perguntou se eu era cringe e, tendo em vista que estávamos para iniciar uma prova, não respondi ao questionamento para não haver perda de tempo para a resolução da mesma. Deixo claro que ao discorrer sobre o assunto, o faço, por achar interessante sobre ele escrever, portanto, não se trata de responder a ninguém, mas, um diálogo com o amigo leitor. Cringe é uma gíria adaptada do inglês para designar alguém que é brega, vergonhoso, ultrapassado e fora de moda. Não é a primeira vez que me ocorre isso, há alguns anos, outro estudante perguntou-me sobre estilo musical e cantores de minha preferência, respondi que meu gosto musical ia do heavy metal ao pop rock e citei bandas de rock nacional e internacional que muito aprecio, sendo que o referido estudante, verdadeiramente espantado, afirmou: " - Nossa! E eu que pensava que o professor só gostava de músicas como as do Teixeirinha." Respondi-lhe que não tinha o hábito de ouvir músicas de estilo gauchesco, nem mesmo, as de Teixeirinha (1927-1985), mas, que elas eram riquezas culturais de nosso país e, portanto, merecedoras de respeito.
Há na literatura internacional várias obras que tratam de
conflitos de gerações. Pode-se encontrar tal tema em obras clássicas de
filosofia de autores gregos e até mesmo na espetacular literatura russa, ou
seja, é um tema universal, pois, em todas as sociedades tal debate existe. De
um lado, a juventude considera as gerações anteriores (como as de seus pais) ultrapassadas
e motivo de vergonha. De outro, as gerações anteriores (os pais inclusive)
questionam os valores, os gostos e a falta de compromisso das novas gerações.
Sempre foi assim, lembro que meu pai se horrorizava com as músicas que eu ouvia.
De minha parte, não apreciava o sertanejo raiz que ele ouvia. No momento, nas
redes sociais há discussões entre a geração Z (nascida entre 1995 e 2010) e a
geração dos millenials ou geração Y (nascida
entre 1980 e 1995). O conflito geracional foi encurtado no tempo, pois, a
geração Z considera a geração Y (pouco anterior) como adepta de atitudes
cringes. Trata-se do embate filosófico entre adolescentes e jovens.
No Japão, o maior orgulho de um adolescente é levar seus
avós na escola, afinal, como têm uma idade avançada, eles têm uma experiência
de vida maior. Nestas terras tupiniquins trata-se de um "mico" e não
poucas pessoas consideram que o idoso atrapalha e vive demais. Nas empresas
japonesas, o funcionário longevo é trocado de função, mas, permanece na empresa
que valoriza sua experiência adquirida ao longo do tempo e sua contribuição
dada à mesma. Em terras brasileiras, um funcionário de 50 anos é dispensado por
ser velho. É importante observar, que tudo isso se refere à cultura e, como
tal, está em constante mutação (nem sempre para melhor). Não há como comparar
culturas diversas, cada uma está inserida em um meio social e em um processo
histórico que lhe é peculiar. Vivemos numa sociedade do descartável, de
casamentos descartáveis, de amizades descartáveis, de empregos/empregados
descartáveis, de músicas descartáveis e de opiniões descartáveis que mudam ao
sabor dos ventos, pois lhes falta essência. Enquanto a aparência das pessoas e
das relações for o aspecto mais valorizado (e não a essência), a sociedade do
descartável permanecerá.
O cantor, compositor, ator e produtor musical britânico David
Bowie nascido David Robert Jones (1947-2016) afirmou: "Envelhecer é um
processo extraordinário em que você se torna a pessoa que sempre deveria ter
sido". É exatamente isso o que penso sobre mim. O tempo passou, amadureci,
não me cobro mais por objetivos que não alcancei e, que hoje sei, serem
inalcançáveis. Me concedo diariamente o perdão às minhas inúmeras falhas e sei
que o que realmente conta é a qualidade das amizades e não a quantidade. Da
juventude, sinto falta da boa forma física que um dia tive (hoje o corpo dói),
mas, não da mentalidade e inseguranças. Quanto a ser cringe, se assim me
consideram, lembro de Jair Rodrigues (1939-2014) quando disse: "Deixa que
digam, que pensem, que falem...", afinal, como alguém já disse, "o
tempo nos transforma em clássicos".
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