Âsne Seierstad (1970 -) é
uma jornalista e escritora norueguesa especializada em reportagens em zonas de
guerra. Seu trabalho a levou ao Afeganistão no ano de 2002. Na ocasião de sua
chegada, o grupo terrorista fundamentalista religioso islâmico Talibã já havia
sido retirado do poder pelas tropas da OTAN lideradas pelos Estados Unidos da
América. O Afeganistão sob o comando do Talibã dava guarida a grupos
terroristas que pagavam e recebiam proteção, dentre estes, a Al Qaeda de Osama
Bin Laden. Foi justamente a recusa na entrega de Osama Bin Laden (mentor do
ataque ao World Trade Center em 11/09/2001) aos Estados Unidos da América que
levou tal país e seus aliados da OTAN a invadir o país e nele ficar por quase
vinte anos. A saída da potência imperialista do Afeganistão está sendo
considerada pelos especialistas em geopolítica como uma reedição da derrota no
Vietnã (1955-1975). O Afeganistão segue sendo um "Cemitério de
Impérios". Os impérios que ali passaram, conquistaram o país com suas
armas e estratégias militares modernas, porém, os mujahedeens mostraram ter a
seu favor o conhecimento da difícil geografia local, a persistência e o tempo. No
filme Rambo 3, a personagem do soldado herói estadunidense luta ao lado dos
mujahedeens, quando um destes cita a oração de um povo inimigo que afirma: "Que
Deus me livre do veneno da serpente, do dente do tigre e da vingança dos
afegãos" e lhe pergunta o que ela significa e, Rambo responde ser "porque
eles não desistem nunca". Não tenho a pretensão de escrever sobre o contexto
geopolítico do Afeganistão neste artigo. Vamos à obra em questão.
Âsne é residente no país de melhor IDH do mundo, também
seu país é considerado um exemplo na garantia dos direitos femininos, embora
não seja exatamente o paraíso das mulheres na Terra. A escritora e jornalista
em sua obra "O livreiro de Cabul" chocada, descreve o cotidiano das
pessoas no tempo em que o Talibã estava no poder. No livro um pouco da história
e muito da cultura local é retratado. A escritora discorre sobre a longa lista
de proibições que o Talibã impunha à sociedade e demonstra que a opressão é
maior sobre as mulheres e que nem mesmo a retirada do grupo fundamentalista do
poder melhorou tanto assim a sua situação, afinal, as mulheres eram proibidas
de trabalhar, estudar e sair à rua sozinhas (sem um homem da família) e nem
mesmo podiam escolher seu marido, uma vez que os casamentos eram tratados como
negócios ou arranjos financeiros e sociais entre as famílias ou dentro da
própria família (primos). A beleza, a educação (religiosa) e a idade da mulher
determinavam o valor que sua família receberia para concedê-la em casamento.
A escritora norueguesa conheceu o livreiro de cabul e,
passou três meses hospedada em sua casa. Um homem que amava os livros e os
protegeu da fúria do Talibã, pois somente os livros religiosos (islâmicos) eram
permitidos. Ele vendia livros religiosos e cartões postais de cidades do
Oriente Médio, mas, também livros genuínos e cópias piratas dos grandes
clássicos mundiais longe dos olhares do Talibã. Na casa, Âsne tornou-se íntima
das mulheres da família e ao conversar com elas tomou conhecimento da situação
da mulher na cultura local. Soube que mulheres estupradas ao ir à polícia eram consideradas
culpadas e humilhadas. A única "reparação" à vítima era o estuprador
ser obrigado com ela se casar. Os estupros tinham que ser mantidos em silêncio
até dos irmãos e do pai, pois, era impossível saber a reação destes. Se uma
jovem "caísse em tentação", pai ou irmãos a matavam e tudo ficava
assim mesmo. Na falta do pai, o irmão mais velho determinava o futuro da irmã.
Na tradição local, o homem pode ter até quatro mulheres desde que as trate
igualmente. O livreiro na personagem de Sultan Khan era casado com Shariffa
(uma mulher estudada e mãe de filhos crescidos) que resolve se casar pela
segunda vez e escolhe para tal a jovem Sonia (para a tristeza de Shariffa).
Sonia não tem a inteligência e a cultura de Shariffa, mas, é jovem! Neste momento em que o Afeganistão causa tanta
curiosidade, fica a dica!
P.S. A escritora foi
processada por Shah Muhammad Rais (o autêntico livreiro de Cabul), mas, foi
absolvida. Shah alegou distorção dos fatos, humilhação e traição à confiança.
Sugestão
de boa leitura:
Título: O livreiro de Cabul.
Autor: Âsne Seierstad.
Editora: Best Seller, 2009, 280 pág.