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sábado, 28 de agosto de 2021

O livreiro de Cabul


 

Âsne Seierstad (1970 -) é uma jornalista e escritora norueguesa especializada em reportagens em zonas de guerra. Seu trabalho a levou ao Afeganistão no ano de 2002. Na ocasião de sua chegada, o grupo terrorista fundamentalista religioso islâmico Talibã já havia sido retirado do poder pelas tropas da OTAN lideradas pelos Estados Unidos da América. O Afeganistão sob o comando do Talibã dava guarida a grupos terroristas que pagavam e recebiam proteção, dentre estes, a Al Qaeda de Osama Bin Laden. Foi justamente a recusa na entrega de Osama Bin Laden (mentor do ataque ao World Trade Center em 11/09/2001) aos Estados Unidos da América que levou tal país e seus aliados da OTAN a invadir o país e nele ficar por quase vinte anos. A saída da potência imperialista do Afeganistão está sendo considerada pelos especialistas em geopolítica como uma reedição da derrota no Vietnã (1955-1975). O Afeganistão segue sendo um "Cemitério de Impérios". Os impérios que ali passaram, conquistaram o país com suas armas e estratégias militares modernas, porém, os mujahedeens mostraram ter a seu favor o conhecimento da difícil geografia local, a persistência e o tempo. No filme Rambo 3, a personagem do soldado herói estadunidense luta ao lado dos mujahedeens, quando um destes cita a oração de um povo inimigo que afirma: "Que Deus me livre do veneno da serpente, do dente do tigre e da vingança dos afegãos" e lhe pergunta o que ela significa e, Rambo responde ser "porque eles não desistem nunca". Não tenho a pretensão de escrever sobre o contexto geopolítico do Afeganistão neste artigo. Vamos à obra em questão.             

            Âsne é residente no país de melhor IDH do mundo, também seu país é considerado um exemplo na garantia dos direitos femininos, embora não seja exatamente o paraíso das mulheres na Terra. A escritora e jornalista em sua obra "O livreiro de Cabul" chocada, descreve o cotidiano das pessoas no tempo em que o Talibã estava no poder. No livro um pouco da história e muito da cultura local é retratado. A escritora discorre sobre a longa lista de proibições que o Talibã impunha à sociedade e demonstra que a opressão é maior sobre as mulheres e que nem mesmo a retirada do grupo fundamentalista do poder melhorou tanto assim a sua situação, afinal, as mulheres eram proibidas de trabalhar, estudar e sair à rua sozinhas (sem um homem da família) e nem mesmo podiam escolher seu marido, uma vez que os casamentos eram tratados como negócios ou arranjos financeiros e sociais entre as famílias ou dentro da própria família (primos). A beleza, a educação (religiosa) e a idade da mulher determinavam o valor que sua família receberia para concedê-la em casamento.

            A escritora norueguesa conheceu o livreiro de cabul e, passou três meses hospedada em sua casa. Um homem que amava os livros e os protegeu da fúria do Talibã, pois somente os livros religiosos (islâmicos) eram permitidos. Ele vendia livros religiosos e cartões postais de cidades do Oriente Médio, mas, também livros genuínos e cópias piratas dos grandes clássicos mundiais longe dos olhares do Talibã. Na casa, Âsne tornou-se íntima das mulheres da família e ao conversar com elas tomou conhecimento da situação da mulher na cultura local. Soube que mulheres estupradas ao ir à polícia eram consideradas culpadas e humilhadas. A única "reparação" à vítima era o estuprador ser obrigado com ela se casar. Os estupros tinham que ser mantidos em silêncio até dos irmãos e do pai, pois, era impossível saber a reação destes. Se uma jovem "caísse em tentação", pai ou irmãos a matavam e tudo ficava assim mesmo. Na falta do pai, o irmão mais velho determinava o futuro da irmã. Na tradição local, o homem pode ter até quatro mulheres desde que as trate igualmente. O livreiro na personagem de Sultan Khan era casado com Shariffa (uma mulher estudada e mãe de filhos crescidos) que resolve se casar pela segunda vez e escolhe para tal a jovem Sonia (para a tristeza de Shariffa). Sonia não tem a inteligência e a cultura de Shariffa, mas, é jovem!  Neste momento em que o Afeganistão causa tanta curiosidade, fica a dica!

P.S. A escritora foi processada por Shah Muhammad Rais (o autêntico livreiro de Cabul), mas, foi absolvida. Shah alegou distorção dos fatos, humilhação e traição à confiança.

Sugestão de boa leitura:

Título: O livreiro de Cabul.

Autor: Âsne Seierstad.

Editora: Best Seller, 2009, 280 pág.

sábado, 21 de agosto de 2021

A morte de Olivier Bécaille

 

         


Não tenho predileção por livros de contos, tanto é assim que até o presente momento não havia trazido nenhuma resenha/indicação de livro desse formato neste espaço. Como acredito que gosto se aprende, tenho enfrentado minha resistência lendo alguns. Creio que isso ocorra porque gosto do envolvimento que uma trama profunda promove e isso ocorre em um número maior de páginas, porém, Emile Zola (1840-1902) o consagrado escritor francês que é também considerado o Pai da escola literária naturalista quebrou o meu paradigma, pois, provou que também é possível haver profundidade em contos literários. É bem verdade que os contos da obra em questão estão mais para novelas dado o seu número de páginas. Meu primeiro contato com a obra de Zola foi por meio de uma adaptação para o cinema de sua mais célebre obra intitulada Germinal, a qual tenho em minha biblioteca, mas, ainda não a li. O livro "A morte de Olivier Becaille" é composta por três contos, sendo o primeiro o que dá nome ao mesmo seguido de "Nantas" e "Inundação".

        Em "A morte de Olivier Bécaille" Zola discorre sobre a vida de um homem que, apesar de não ter uma boa aparência se casa com uma mulher jovem e bela. Ele sabe que ela aceitou se casar com ele por não ter outra opção ante a pobreza de sua família. Olivier é um homem maduro e sua situação econômica não é nenhum pouco confortável. O casal foi morar em Paris num prédio de apartamentos humildes quando este é acometido pela catalepsia. A catalepsia é uma condição em que a pessoa fica momentaneamente incapaz de mover-se e de nem mesmo falar sendo que a respiração e a pulsação ficam tão fracas que muitas vezes é confundida com a morte. No passado muitas pessoas foram enterradas desta forma e, ao abrir o caixão anos depois, se descobre que o corpo se mexeu, ou seja, fora enterrado com vida. Olivier ouve sua mulher desesperada, os vizinhos que vêm ajudar, mas, não consegue se comunicar. Um médico é chamado, mas não lhe dá atenção e atesta a morte. Vem a preocupação com enterro, a conta de quanto tempo durará o velório e a necessidade de reagir antes de ser sepultado, mas, não consegue. Vem a missa, as últimas despedidas de sua bela esposa amparada por um vizinho solteiro, o caixão é fechado. No caixão fechado, Olivier escuta a terra sendo jogada. Luta pela vida, enfim acorda, precisa sair...

       No segundo conto, Nantas é um jovem ambicioso que, tendo ido morar em Paris com grande esperança de obter poder e riqueza com a grande capacidade que julga possuir, vê seus planos serem frustrados. Pensa em se matar com a arma que possui, no entanto, sua vizinha que trabalha como governanta na mansão de um barão, lhe faz uma proposta. A filha do Barão engravidou de um homem casado e precisa de um homem para dar sobrenome à criança e para não macular o sobrenome da família e nem causar grande humilhação ao patriarca. Ele aceita, o Barão contrariado, pela origem social de Nantas e pela forma como este entra na família não tem o que fazer, o aceita e repassa a herança da mãe desta para ele. Nantas multiplica o dinheiro, faz uma carreira meteórica e chega a Ministro de Estado. O casamento de fachada do casal tinha como acordo verbal a separação de corpos e Nantas se apaixona pela bela mulher de gênio difícil, que o despreza. Descobre então que somente o dinheiro, o poder e a fama podem não ser suficientes para uma vida feliz...

         Em Inundação, Zola narra a vida feliz de uma família francesa que reside numa fazenda tida pelo patriarca como abençoada por Deus, pois, todo infortúnio que atingiu seus vizinhos jamais ocorreu em suas terras, nas quais moravam seus filhos e filhas e seus cônjuges, porém, ocorrem chuvas torrenciais por dias seguidos e as águas do rio chegam a um patamar jamais alcançado na história do local. As perdas materiais são recuperáveis, pensa o patriarca, porém, há dentre as perdas o que jamais poderá ser recuperado...

       Li que um livro de contos é como um nocaute no boxe, ou atinge em cheio o leitor ou, jamais conseguirá vencer por pontos. Vencer por pontos é para as novelas, os romances. Sinto-me nocauteado e deixo a dica.

Sugestão de boa leitura:

Título: A morte de Olivier Bécaille.

Autor: Émile Zola.

Editora: L&PM, 1997, 128 pág.

sábado, 14 de agosto de 2021

Memorial de Maria Moura

 


            Este escriba não para de se surpreender positivamente com a região nordeste brasileira e seu povo. De que é feita esta gente que tanto contribui para a cultura brasileira? E neste momento de Olimpíadas, também para o esporte? Não esqueço que em meus tempos universitários fui a um Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) e nele vi e ouvi o quanto os jovens nordestinos eram mais politizados no que nós da região sul do Brasil. Penso que o nordestino, por sua forma de ser, não veio a este mundo a passeio, agarra-se a vida, pois, a vida na terra nordestina exige coragem e energia. A vitalidade, a coragem e a energia nordestina que empregada na cultura emociona os espíritos mais frios e cujos exemplos maiores estão na enorme lista de artistas de grande destaque na literatura, na música, na dança, no teatro, na TV e no cinema. Obrigado à Deus, à natureza, às forças cósmicas do universo por forjar o nordestino, esse país seria muito menor se não contasse com sua gigantesca contribuição cultural.

            A cearense Rachel de Queiroz (1910-2003) foi jornalista, cronista política, tradutora, escritora, romancista e dramaturga. Este escriba tinha conhecimento de ter sido ela a primeira mulher eleita para a Academia Brasileira de Letras (ABL) (que anteriormente seguia um regulamento inspirado na congênere francesa, no qual mulheres nela não podiam ter assento, hoje isso soa ridículo, mas em um tempo não tão distante, mulheres não podiam votar e ainda hoje recebem salários 30% inferiores aos de seus colegas homens para realizar o mesmo trabalho) e de suas principais obras, mas, não tinha lido nenhuma. Eis que resolve ler o livro "Memorial de Maria Moura" e somente não o lê de um fôlego só porque trata-se de um calhamaço e, apesar de saber que tal livro tinha sido adaptado pela TV Globo em uma minissérie não a assistiu, algo que agora pretende fazer.

            Rachel de Queiroz nunca se proclamou feminista, porém, suas obras contam com personagens femininas de caráter forte. A obra conta com três narradores: a órfã Maria Moura, sua prima Marialva e o Beato Romano sendo que os capítulos se alternam sob tais narrativas. A trama traz como ingredientes, sentimentos que vão da paixão ao ódio, a traição, o egoísmo, a ganância pelo dinheiro, a ambição pelo poder (liderança) e a luta contra as convenções sociais de seu tempo nas quais a mulher era (e ainda é) oprimida. Segundo Rachel de Queiroz, a personagem foi inspirada na poderosa Rainha Elizabeth I (1533-1603) da Inglaterra, por isso, a ideia de retratar uma mulher com grande poder. Cearense, ambientou a trama no sertão nordestino (não é possível saber em qual parte deste) na forma de uma jovem órfã que na luta em defesa das terras que herdou, constrói nestas uma casa forte, uma espécie de quartel general ou alojamento para o seu bando que ao estilo do cangaço, promove assaltos e elimina seus inimigos. Maria Moura, portanto, não é o que se pode chamar de uma heroína. Sua prima Marialva, contra a vontade de seus irmãos, foge e casa com um saltimbanco, indo mais tarde morar na Serra dos Padres, nas terras de sua prima Maria Moura. A personagem Beato Romano é o nome criado por um padre que caiu em tentação e passa a vida fugindo e espiando seus pecados. Paro aqui! Fica a dica!

Sugestão de boa leitura:

Título: Memorial de Maria Moura.

Autor: Rachel de Queiroz.

Editora: José Olympio, 2021, 23ª edição, 504 pág.

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Requião e a morte cerebral do (P)MDB velho de guerra

 

            O MDB (Movimento Democrático Brasileiro) foi o partido de oposição à ditadura militar (1964-85) representada pela ARENA (Aliança Renovadora Nacional) extinta em 1979 e substituída pelo PDS (Partido Democrático Social). A mudança do nome/sigla do partido quando constatado o seu desgaste perante a opinião pública é uma velha estratégia, que talvez funcione para enganar os distraídos, mas, que nenhum efeito tem sobre os alicerces partidários apodrecidos. O PDS, portanto, tratava-se de uma maquiagem sobre uma face bastante conhecida da política brasileira representada até então, nas ideologias da ARENA que eram o autoritarismo, o militarismo, o conservadorismo clássico, o anticomunismo, o nacionalismo e a defesa intransigente da Doutrina de Segurança Nacional.

            O MDB era a oposição consentida pelos militares para dar um "ar de democracia" perante o olhar do mundo desenvolvido (e apenas por isso). Internamente essa preocupação não existia, a mão não era amiga, mas, o braço era forte na censura aos meios de comunicação e, escritos ou discursos considerados subversivos eram facilmente enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Também os artistas que ousassem tocar/gravar músicas de protesto eram punidos. Embora o espaço para manobras fosse limitado, o MDB teve um importante papel na redemocratização do país e no movimento pelas Diretas Já! que reuniu multidões em vários comícios reivindicando o direito de votar para presidente. No entanto, a emenda constitucional Dante de Oliveira foi derrotada. A parcela da população que sonhava com um Brasil melhor e não aquele que se revelava ante seus olhos na forma do abismo da desigualdade social, da miséria, da fome, dos presos políticos torturados e assassinados (produtos daquela triste e obscura época) chorou. Á época, o saudoso doutor Ulysses Guimarães (1916-92) afirmou ter ódio e nojo da ditadura militar (não estava sozinho). Ulysses Guimarães era a dignidade em pessoa, porém não era muito carismático. Tentou se eleger presidente da República num tempo em que o PMDB não se portava como um partido de aluguel sempre disposto por motivos fisiológicos a compor com o governo de ocasião ou com o postulante ao poder com maiores chances de se eleger.

            Várias reportagens saíram sobre a "pemedebização" da política brasileira como um fator de atraso social, pois, se o partido renunciava/renuncia a lançar candidatos próprios aos cargos majoritários, também sem o apoio do PMDB/MDB ninguém governava/governa por conta de sua grande bancada parlamentar. O MDB não é o único partido que desempenha tal papel e, que por seu fisiologismo prejudica a nação quando interesses pessoais ou partidários são colocados acima dos interesses da nação. Dissidentes do PMDB fundaram o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e, apesar da denominação partidária não tardaram a aderir ao neoliberalismo. FHC tal como o PSDB são criador e criatura que encolheram perante a nação. Poder-se-ia pensar que a saída dos dissidentes iria depurar o PMDB e manter nele apenas os verdadeiramente social-democratas. Não foi o que ocorreu, no partido com as devidas exceções (poucas), a ideologia que reina é a do fisiologismo.

            Nesta semana, Roberto Requião assinou a desfiliação do MDB. Jornalista, urbanista e advogado, Requião tem uma longa e vitoriosa carreira política. Suas três gestões no Palácio Iguaçu foram muito bem avaliadas. Na condição de Senador da República, inúmeras vezes proferiu críticas (fundamentadas) à política econômica do Governo Dilma, mas, legalista, não se absteve de lutar com todas as suas forças contra o Golpe de Estado Jurídico-Midiático-Parlamentar de 2016, no qual seu partido (PMDB) estava profundamente envolvido. "A sangria parou ali", hoje quem sangra é o país. É a parcela do povo brasileiro novamente lançada à miséria. Sempre considerei surreal que Requião tenha insistido por tanto tempo em permanecer no MDB. Talvez por ser dele fundador (tinha a ficha estadual Nº 01) e tal como um cirurgião queria salvar a sigla estadual, mas, após a morte cerebral do paciente, não há mais o que fazer. A saída de Requião foi a única atitude digna e coerente que lhe cabia tomar ante sua biografia. Quem perde é a sigla partidária, que na esfera estadual se apequena ainda mais pela opção fisiológica. Requião de forma coerente, continuará na luta contra os ratos na política. Tal coerência, o MDB demonstrou não ter, pois, no momento, por seus apoios na esfera estadual e nacional cheira à ARENA. Desejo ao MDB o retorno aos ideais e aos fortes princípios democráticos e éticos que um dia o marcou, pois, retomar a sigla (MDB) de seus bons tempos não é suficiente, é preciso voltar a agir como tal.

 

domingo, 1 de agosto de 2021

Em tempo, sobre o Bolsonaristão

             As redes sociais são a forma majoritariamente utilizada pela população alfabetizada digitalmente para a propagação de suas opiniões. Sabemos que opinião e conhecimento são coisas diferentes. O professor, o médico, o cientista, etc. têm o conhecimento específico de seus ofícios e, para tê-lo, passaram milhares de horas em bancos universitários assistindo aulas de proeminentes mestres, leram centenas de livros, fizeram especializações, mestrados, doutorados e pós-doutorados na busca do conhecimento. Lembro que conhecimento é algo diferente de informação, pois, a informação diz respeito aos dados, aos fatos em si, sendo o conhecimento a capacidade sintético-analítica, ou seja, a capacidade de fazer a síntese e análise dos dados e fatos e a devida correlação com outros dados e fatos. Hoje não faltam pessoas que por serem informadas, pensam saber mais do que o professor, o médico ou o cientista nos ofícios que estes exercem. São as pessoas que as gerações passadas afirmavam "querer ensinar o padre a rezar a missa".

            O conhecimento se adquire pela teoria e pela prática. Os profissionais citados como exemplo conjugam teoria e prática. Mas, há quem se considere "doutor pelas redes sociais" e, portanto, capaz de contestá-los ao contrapor opinião contra o conhecimento dos profissionais. No ano passado (2020) houve casos de médicos que sofreram agressões físicas por não receitar um coquetel de remédios considerados ineficiente para a Covid 19. Também houve casos em que médicos ao se recusarem a colocar outra "causa mortis" a óbitos decorrentes da Covid 19 foram agredidos por beneficiários de seguros que não cobriam mortes decorrentes de pandemia. Nestes tempos de obscurantismo, cujo maior exemplo é a eleição de Jair Bolsonaro à presidência da república, também os professores têm sofrido o seu quinhão com agressões verbais e/ou físicas que partem não apenas de estudantes, mas, também de seus pais ou responsáveis que sem ter conhecimento pedagógico-didático tentam impor sua opinião sobre a metodologia de ensino das aulas que consideram correta. É verdade que não foi a ascensão de Bolsonaro ao Planalto que deu início a esse momento de desvalorização dos professores, apesar de intensificá-la. Os ataques partem da parcela da população saudosista da ditadura militar, do autoritarismo, do conservadorismo moral, dos simpatizantes fanáticos do liberalismo econômico e defensores do status quo de uma das mais injustas sociedades do mundo no que concerne a distribuição de renda.

            Retomo aqui a edição da Gazeta do Povo acerca do resultado final das eleições de segundo turno em novembro de 2018, na qual publicou um mapa do Paraná atribuindo cores diferenciadas aos contendores. Nele ficou evidente a esmagadora vitória de Bolsonaro (PSL) com 68,43% dos votos válidos sobre Haddad (PT) na grande maioria dos municípios. No Paraná, Bolsonaro teve a sexta maior votação dentre as 27 unidades federativas. Curitiba, a cidade de maior IDH do estado votou em peso com Bolsonaro (76,54%). No entanto, chama a atenção duas manchas vermelhas que se localizam exatamente onde ficam as duas regiões paranaenses de maior atraso social e econômico, a região norte do primeiro planalto (onde ficam Cerro Azul e Adrianópolis) e a região da Cantuquiriguaçu (terceiro planalto) da qual Laranjeiras do Sul faz parte. Nestas duas regiões vários municípios contíguos concederam a maioria dos votos para Haddad. Os eleitores pobres das microrregiões paranaenses citadas (tal como fez a região nordeste brasileira) votaram conscientemente (com a mão em suas barrigas) na tentativa de preservar sua segurança alimentar. Segurança alimentar que, não mais existe para milhões de brasileiros. A fila do osso nos frigoríficos de Cuiabá é prova disso. Não posso dizer que aqueles que votaram em Bolsonaro também não o fizeram de forma consciente, mas, fizeram com a mão no bolso, afim de preservar seus injustos e centenários privilégios de classe. O amigo leitor me lembrará que nem todo mundo que votou em Bolsonaro tinha privilégios para conservar e, eu respondo que estes tinham seus ossos garantidos, votaram porque sabiam que não precisariam entrar na referida fila (de madrugada) para conquistá-los. O que possuem é o osso, mas, imaginam ter um suculento filé mignon e afortunados se julgam.

P.S. O Paraná cuja história registra ter sido reduto eleitoral da Arena no período da ditadura militar (1964-85), por seu conservadorismo reacionário, pode ser tranquilamente denominado Bolsonaristão (aqui a rejeição a Bolsonaro é menor). E a capital? Ora, amigo leitor, a capital do Bolsonaristão é a "República de Curitiba".