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sábado, 27 de fevereiro de 2021

A surrealidade de nosso tempo ou brincando de roleta russa com a pandemia

 

                  A palavra surreal presente no título deste artigo tem como significado estranheza, transgressão da verdade sensível, da razão, ou que pertence ao domínio do sonho, da imaginação, do absurdo. É o que estamos vivendo. Surreal é a primeira página de um jornal cuja manchete traz a comemoração pela volta às aulas presenciais para evitar problemas psicológicos resultantes da falta de socialização dos estudantes, sendo que a mesma página do jornal traz uma importante e esclarecedora matéria mostrando o pior momento da pandemia com a chegada da segunda onda de contágio da Covid 19, embora já se fale em terceira e, eu acredite ainda estarmos na primeira, pois, em nosso país, o número de mortes estabilizou há muito tempo em um platô (com cerca de mil mortes diárias) nos gráficos. A matéria fala da lotação das UTI's, de novas variantes do vírus ainda mais contagiosas, as quais afetam gravemente também aos mais jovens (antes menos atingidos) e, da importância de se evitar aglomerações. Afinal, essas matérias tratam do mesmo país? Ou as pessoas enlouqueceram?

            Antes das aulas iniciarem, dezenas de escolas paranaenses foram fechadas temporariamente, pois, profissionais estavam trabalhando infectados e, sem saber transmitindo o vírus. Eu disse: antes da vinda dos estudantes. E depois? Em meu ver, trata-se de tragédia anunciada, pois, antes dos sintomas principais se manifestarem, a pessoa infectada já está transmitindo o vírus e, os jovens são muitas vezes assintomáticos (transmitem a doença sem demonstrar seus sintomas). Os protocolos são difíceis de serem observados à risca por adultos. Serão cumpridos à risca por crianças e adolescentes? Nas redes sociais, internautas preocupados com a vida dos estudantes e dos profissionais da educação se digladiam com negacionistas que defendem a importância da educação presencial (num país que nunca valorizou a educação e seus profissionais e, que há pouco tempo discutia o homeschooling). Quem deveria trazer luz para a sociedade, traz escuridão, o discurso necropolítico (política de morte por ação ou omissão) de autoridades que não vêm na preservação da vida humana, sua mais importante missão no momento vivido. 

            A busca do conhecimento é uma paixão para os educadores. É o amor ao conhecimento, dadas as péssimas condições de trabalho, que os mantém na profissão. Os professores adoram ver o brilho nos olhos dos estudantes em sua busca do conhecimento porque isso é cada vez mais raro, porém, a busca pelo conhecimento não se sobrepõe ao valor maior que é a vida. A vida de cada estudante, de cada educador e dos familiares de ambos. Conhecimento se pode recuperar, a vida não. Em minha carreira, várias vezes, passei pela experiência de ver uma carteira vazia (ou a menos) em classe porque estudantes morreram (acidentes ou doenças). Nestas oportunidades, dei aula com um nó na garganta e os estudantes não estavam melhores. Me causa grande tristeza, a ideologização da pandemia, da vacinação, e também o fato de autoridades não terem o espírito de liderança, a responsabilidade, a sensatez e a atitude necessárias para que superemos esta crise sanitária que vivemos. A sala de aula é um ambiente insalubre, mal arejado, superlotado e, com a aglomeração de diversas pessoas vindas de diferentes locais. Em meus 30 anos de magistério, não me recordo de ano em que não tenha passado por três ou quatro gripes (no mínimo). Em 2020, trabalhando remotamente (EAD) não tive uma sequer. Se você é pai ou mãe de estudante, talvez, tenha verificado a menor incidência de gripes em seu/sua filho(a) em 2020. Se o ambiente de sala de aula é propício para a transmissão do vírus Influenza (gripe), não o é para o SARS-CoV-2?

            Em tempos de pandemia, relativizar a vida e subestimar a Covid19 é brincar de roleta russa. Uns, ao não se cuidar, apontam para si. Há aqueles que, com poder de decisão, por sua ação ou inação, apontam para a sociedade. Os protocolos para a volta às aulas se cumpridos à risca, são as câmaras vazias do tambor da arma. Não é possível ter todas as câmaras vazias, o vírus é a câmara carregada resultante da falha humana, do descuido no rígido cumprimento do protocolo por estudantes e/ou profissionais e do desconhecimento que ainda temos sobre a doença. É loucura voltar às aulas presenciais no pior momento da pandemia. Na terra de cegos em que o país se converteu, quem tem um olho foi amordaçado!

 

sábado, 20 de fevereiro de 2021

O uso da máscara como demonstração de civilidade

 

              O ser humano é um ser social. E reside nessa característica, o fato do homo sapiens sapiens (o homem atual) não ter se tornado mais uma das inúmeras espécies extintas. Li certa vez que o indivíduo do gênero homo se tornou humano de fato quando começou a cuidar dos seus feridos. Até então, quando um indivíduo quebrava uma perna numa caçada era abandonado para morrer. Os antropólogos e arqueólogos encontraram muitos esqueletos com ossos calcificados. Os demais integrantes do bando cuidaram do ferido até que ele se recuperasse. Esses são os primeiros sinais de solidariedade, de compaixão, de cuidado com o próximo, enfim, os primeiros sinais de humanidade, de civilidade. A palavra civilidade tem como significado o conjunto de formalidades, de palavras e atos que os cidadãos adotam entre si para demonstrar mútuo respeito e consideração; boas maneiras, cortesia, polidez.

            A civilidade é que nos permite viver em sociedade com um grau menor de atritos. Contribuiu para que esse objetivo fosse alcançado as inúmeras regras e leis propostas e impostas pelos poderes constituídos. Há mulheres e homens que não têm pudor em expor seus corpos e, o fazem em vestiários de clubes ou praias de nudismo, no entanto, nenhuma destas pessoas cogita sair nua às ruas das cidades. Elas sabem que existem leis a proibir tal atitude e que isso causa mal estar às pessoas da sociedade. Neste momento de pandemia, há leis que obrigam todas as pessoas ao sair às ruas ou ao adentrar em ambientes públicos para que utilizem máscaras visando a  prevenção da transmissão da doença. A não utilização da máscara causa mal estar às demais pessoas, tenha civilidade. Obedecer a lei é também respeitar o próximo. Soube por algumas pessoas que em algumas lojas em nossa cidade, chefes e funcionários não usam máscaras. Afirmaram-me que lá não voltarão, pois, se sentiram desrespeitadas. Se muitas pessoas adotarem tal atitude, essas casas de comércio terão menos clientes.

            Vejo mulheres que utilizam máscaras lindas para compor o figurino, nada tenho contra, mas, lembrem-se que elas precisam ser funcionais, ou seja, barrar o vírus, afinal, este também atinge quem está com um belo visual. Digo isso porque vi algumas mulheres, cujas máscaras eram bonitas, mas, que me suscitaram sérias dúvidas se aqueles paninhos tinham alguma eficácia contra o vírus e, fiquei com receio que logo aparecessem com máscaras de crochê. Vi pessoas utilizando a máscara apenas na boca, deixando o nariz a descoberto. Sei que não temos em nosso país uma democracia plena, mas, não há no momento a imposição da mordaça e, sim, da máscara, uma vez que o contágio ocorre principalmente pelo nariz. Também vi pessoas utilizando a máscara no pescoço, sei que nossa cidade tem muitos gaúchos e seus descendentes e que o lenço é um belíssimo acessório, porém, também os gaúchos e seus descendentes são atingidos pelo vírus. Outras pessoas utilizam a máscara como brinco em uma orelha, eu particularmente, considero mais belos os brincos em ouro e prata, mas, sei que gosto é algo individual, porém, a máscara pendurada em uma orelha apenas não tem eficácia para barrar o vírus. Há pessoas que quando precisam falar retiram a máscara, sei que a máscara é desconfortável, mas, saiba que se fala mais pelas atitudes do que pela oratória, não exponha a si e aos demais a risco. Há quem faça refeições com parentes, amigos e companheiros de trabalho, momento em que ficam próximos e sem máscaras. Lembrem que o vírus é muito sociável e adora aglomerações e que ele não dá pausa para que as pessoas façam suas refeições sossegadas. Se você já teve a doença, tenha em mente que muitas pessoas foram contagiadas novamente e, até com maior gravidade. A doença é nova e a ciência ainda tem muitas dúvidas. E embora você se sinta seguro, outras pessoas se sentem inseguras e desrespeitadas ante você que não utiliza máscara nas ruas ou em ambientes públicos. Tenha empatia, utilize a máscara.

            Enfim, para vencermos a pandemia, civilidade é a palavra de ouro, afinal, usar a máscara é sinal de cuidado, de respeito e, de que você quer vencer a pandemia e deseja que as demais pessoas estejam vivas quando tudo isso passar e, vai passar.

P.S. Desculpe o tom irônico desse artigo, assim fiz, para melhor fixar a mensagem que visa o bem comum.

sábado, 13 de fevereiro de 2021

Os movimentos sociais e sindicatos como fermento da democracia

 

          Há quem não goste dos movimentos sociais e sindicatos afirmando serem barulhentos. Entendo estas pessoas. É de sua natureza defender a paz dos vencidos ou seja, a humilhação, a resignação, o "cala a boca" imposto aos oprimidos. Neste espaço, mais de uma vez citei Simone de Beauvoir (1908-1986), a quem novamente recorro para contextualizar de forma inconteste: "o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos". Engana-se quem pensa que os opressores são todos da classe privilegiada. Há muitos analfabetos políticos na sociedade. A falta de consciência de classe é que permitiu que se construísse o Brasil tal como é, um gigante com pés de barro e, que de tal forma se mantém como um dos países mais injustos do planeta. Digo que todo movimento social ou sindicato precisa fazer muito barulho para sair da invisibilidade imposta aos oprimidos. Se não faz barulho, não está cumprindo sua função social.

            A função social dos movimentos sociais e dos sindicatos é dar voz a quem é negado o direito da fala (os oprimidos, injustiçados e invisibilizados) e colocar na pauta das autoridades (mesmo a contragosto destas), as necessidades, as reivindicações de quem também é povo, mas, que muitas vezes é tratado como se nem ser humano fosse. É compreensível, mas, não justificável, o ódio dos opressores, dos amantes do autoritarismo que odeiam quem lhe tira a paz. A paz de ter o Estado, a economia e a política voltada para a manutenção de seus privilégios. Essa gente, para defender os seus injustos privilégios, é capaz de destruir um país, sacrificar-lhe o seu futuro para que o ordenamento social permaneça. É a mentalidade de senhor de escravos que em sua elite permanece apesar de o regime escravocrata oficialmente não mais existir, embora ainda hoje se encontre trabalhadores em situação análoga a de escravidão no país. "A nossa bandeira nunca será vermelha" foi uma frase muito falada em manifestações de pessoas reacionárias cujo significado é: a "Casa Grande" (Palácio do Planalto/Governo) jamais será pisada por pés de escravos (trabalhadores) ou, os trabalhadores jamais governarão/ditarão os rumos de nosso país, ou ainda, "o país é nosso (da elite). Calem-se!"

            Eu costumo dizer que os movimentos sociais e os sindicatos são "o fermento da democracia". Em países com tradição autoritária como o nosso, cujos períodos democráticos são hiatos entre ditaduras, sua importância se reveste de maior significado. A elite (financeira e cultural) está sempre pronta a fazer contrarrevoluções quando vê o seu controle sobre os rumos do país minimamente ameaçado pelo avanço da democracia. Ela não não é patriota. Se para ter uma sociedade de consumo de massa (de maior poder aquisitivo) implica dar voz e vez aos trabalhadores, prefere ver o país no atraso e, não tem escrúpulos em sabotar o desenvolvimento nacional e, entregar nossas riquezas para o grande capital estrangeiro para preservar o ordenamento social. A preservação deste é obtido por meio de representantes a seu serviço nos poderes Legislativo e Executivo porquanto eleitos com seu dinheiro e, da parceria com membros do Poder Judiciário, geralmente oriundos da elite cultural que busca preservar seus privilégios. A elite, como disse, não é patriota, apesar disso utiliza os símbolos nacionais para conquistar a simpatia dos distraídos, assim, como muitos corruptos não param de criticar a corrupção (dos outros). Trata-se de uma gente moralista e sem moral. A ela não interessa o desenvolvimento nacional, a construção de uma sociedade com justiça social, o fortalecimento da democracia. O que interessa realmente é a manutenção de seus injustos privilégios. A democracia é sempre de baixa intensidade quando a desigualdade social é extrema. E o Brasil, como tal, para o espanto das nações se mantém como "a potência do futuro", porém, esse futuro teima em nunca chegar. As elites (do capital financeiro e do capital cultural) são ardilosas e unidas, porém, enquanto houver movimentos sociais e sindicatos haverá esperança de que a democracia e a justiça social se implantem de fato e, é isso que as elites buscam evitar namorando o fascismo. Como nos ensinou Eduardo Galeano (1940-2015): "preservemos nossas utopias, por mais inalcançáveis que nos pareçam, elas nos ensinam a não ficarmos parados". Longa vida aos movimentos sociais e aos sindicatos!

sábado, 6 de fevereiro de 2021

Volta às aulas presenciais sem vacinação: o troféu do negacionismo

 

           A forma como parte da sociedade está agindo durante a pandemia em curso evidencia que a humanidade nada aprendeu com a história. É incrível a semelhança do que vivemos atualmente se comparado com o período da gripe espanhola. O negacionismo acerca da doença e de sua gravidade. As pessoas de "saco cheio" (desculpe a expressão) querendo a volta da normalidade à força e o abandono do distanciamento social e do uso da máscara em plena segunda onda da doença. Foi justamente nesse momento que a doença se propagou de forma mais intensa e mortal. Naquela época (como agora), as recomendações das autoridades da saúde, tidas pelos negacionistas como alarmistas, foram ignoradas e como consequência, as equipes encarregadas de recolher os mortos nas casas (os hospitais estavam lotados) para sepultá-las, ficaram sobrecarregadas e demoravam a passar, dessa forma, as famílias se viram obrigadas a colocar seus mortos na rua (por motivos óbvios).

            Em época de pandemia, a normalidade não pode ser obtida à força. Ignorar a doença, sua forma de propagação e as consequências dela resultantes põe abaixo todos os esforços das autoridades científicas, médicas e políticas que, lúcidas e responsáveis buscam contê-la. Infelizmente a pandemia e a vacina foram ideologizadas. Houve inúmeros posts em redes sociais alegando que o vírus da Covid19 fora fabricado em laboratório pela China. Algo já desmentido por importantes geneticistas europeus e estadunidenses que afirmam que o vírus teve uma mutação natural que favoreceu a infecção em seres humanos. No que concerne às vacinas que estão sendo desenvolvidas, estas são fruto de um esforço gigantesco de laboratórios (privados nacionais ou multinacionais / estatais) em parceria com os governos de alguns países. Considero surreal que as mesmas pessoas que criticam e afirmam que não tomarão vacinas produzidas por comunistas (China) utilizam aparelhos tecnológicos (pelos quais têm verdadeira adoração) também produzidos no país asiático. Pode-se afirmar que no caso da vacina, envolve a saúde, mas, porque não se preocupam com os alimentos altamente contaminados por agrotóxicos (muitos proibidos no exterior e liberados no país)? Se a questão é ideológica, também há marcas e insumos chineses!

            No país do negacionismo e das fake news, muitos são os que pretendem restaurar a normalidade à força, sendo a volta às aulas presenciais, o maior troféu. Um internauta publicou um post em uma rede social, o qual considero muito acertado, disse ele: "há dois tipos de pessoas a saber: As que acreditam que as crianças e adolescentes seguirão os protocolos de segurança para evitar o contágio e as que de fato conhecem uma escola". A pandemia demonstrou que o ensino presencial é mais eficaz do que o EAD (ensino à distância) e que nenhuma tecnologia substitui o professor. A corroborar o fracasso do modelo, não faltaram estudantes a afirmar que aprenderiam mais se estivessem em classe com seus professores. Quanto aos professores, estes não ficaram em casa recebendo sem trabalhar como publicado pelos propagadores de fake news e multiplicado por pessoas desinformadas ou de má fé.  Os mestres tiveram sua carga de trabalho triplicada com a preparação de atividades, trabalhos e provas e também a correção das mesmas no modelo virtual e impresso, e, inúmeras atividades burocráticas de registro, além do acompanhamento e auxílio remoto aos estudantes sem conhecer horário ou dia da semana. Apesar de suas deficiências, o EAD foi a solução possível diante da pandemia, afinal, não havia e não há condições para o retorno às aulas presenciais, pois, estas poriam/porão em risco a comunidade escolar (estudantes e profissionais da educação e os familiares de ambos). Em se retornando às aulas presenciais, os estudantes serão vetores importantes na propagação da doença, tendo em vista que, neles os sintomas muitas vezes não se manifestam, com a ressalva de que não estão isentos de riscos, afinal, em todo o mundo, crianças e adolescentes também estão entre as vítimas. Especialistas acreditam que colocar vinte alunos em uma sala de aula implica na interação entre 808 pessoas, das quais uma ou algumas podem estar infectadas e contaminar outras. Nesse momento, em que a vacina ainda não chegou à comunidade escolar, sensatez é o mais importante, conhecimento se pode recuperar, a vida não!