A palavra surreal presente
no título deste artigo tem como significado estranheza, transgressão da verdade
sensível, da razão, ou que pertence ao domínio do sonho, da imaginação, do
absurdo. É o que estamos vivendo. Surreal é a primeira página de um jornal cuja
manchete traz a comemoração pela volta às aulas presenciais para evitar
problemas psicológicos resultantes da falta de socialização dos estudantes,
sendo que a mesma página do jornal traz uma importante e esclarecedora matéria
mostrando o pior momento da pandemia com a chegada da segunda onda de contágio
da Covid 19, embora já se fale em terceira e, eu acredite ainda estarmos na
primeira, pois, em nosso país, o número de mortes estabilizou há muito tempo em
um platô (com cerca de mil mortes diárias) nos gráficos. A matéria fala da
lotação das UTI's, de novas variantes do vírus ainda mais contagiosas, as quais
afetam gravemente também aos mais jovens (antes menos atingidos) e, da
importância de se evitar aglomerações. Afinal, essas matérias tratam do mesmo
país? Ou as pessoas enlouqueceram?
Antes das aulas iniciarem, dezenas de escolas paranaenses
foram fechadas temporariamente, pois, profissionais estavam trabalhando
infectados e, sem saber transmitindo o vírus. Eu disse: antes da vinda dos
estudantes. E depois? Em meu ver, trata-se de tragédia anunciada, pois, antes
dos sintomas principais se manifestarem, a pessoa infectada já está
transmitindo o vírus e, os jovens são muitas vezes assintomáticos (transmitem a
doença sem demonstrar seus sintomas). Os protocolos são difíceis de serem
observados à risca por adultos. Serão cumpridos à risca por crianças e
adolescentes? Nas redes sociais, internautas preocupados com a vida dos estudantes
e dos profissionais da educação se digladiam com negacionistas que defendem a
importância da educação presencial (num país que nunca valorizou a educação e
seus profissionais e, que há pouco tempo discutia o homeschooling). Quem
deveria trazer luz para a sociedade, traz escuridão, o discurso necropolítico
(política de morte por ação ou omissão) de autoridades que não vêm na
preservação da vida humana, sua mais importante missão no momento vivido.
A busca do conhecimento é uma paixão para os educadores.
É o amor ao conhecimento, dadas as péssimas condições de trabalho, que os
mantém na profissão. Os professores adoram ver o brilho nos olhos dos
estudantes em sua busca do conhecimento porque isso é cada vez mais raro,
porém, a busca pelo conhecimento não se sobrepõe ao valor maior que é a vida. A
vida de cada estudante, de cada educador e dos familiares de ambos.
Conhecimento se pode recuperar, a vida não. Em minha carreira, várias vezes,
passei pela experiência de ver uma carteira vazia (ou a menos) em classe porque
estudantes morreram (acidentes ou doenças). Nestas oportunidades, dei aula com
um nó na garganta e os estudantes não estavam melhores. Me causa grande
tristeza, a ideologização da pandemia, da vacinação, e também o fato de
autoridades não terem o espírito de liderança, a responsabilidade, a sensatez e
a atitude necessárias para que superemos esta crise sanitária que vivemos. A
sala de aula é um ambiente insalubre, mal arejado, superlotado e, com a
aglomeração de diversas pessoas vindas de diferentes locais. Em meus 30 anos de
magistério, não me recordo de ano em que não tenha passado por três ou quatro
gripes (no mínimo). Em 2020, trabalhando remotamente (EAD) não tive uma sequer.
Se você é pai ou mãe de estudante, talvez, tenha verificado a menor incidência
de gripes em seu/sua filho(a) em 2020. Se o ambiente de sala de aula é propício
para a transmissão do vírus Influenza (gripe), não o é para o SARS-CoV-2?
Em tempos de pandemia, relativizar a vida e subestimar a
Covid19 é brincar de roleta russa. Uns, ao não se cuidar, apontam para si. Há
aqueles que, com poder de decisão, por sua ação ou inação, apontam para a
sociedade. Os protocolos para a volta às aulas se cumpridos à risca, são as
câmaras vazias do tambor da arma. Não é possível ter todas as câmaras vazias, o
vírus é a câmara carregada resultante da falha humana, do descuido no rígido
cumprimento do protocolo por estudantes e/ou profissionais e do desconhecimento
que ainda temos sobre a doença. É loucura voltar às aulas presenciais no pior
momento da pandemia. Na terra de cegos em que o país se converteu, quem tem um
olho foi amordaçado!