O
escritor português José de Souza Saramago (1922-2010) é, até o momento, o único
literato em língua portuguesa que teve a honra de ser galardoado com o Prêmio
Nobel (1998). José Saramago consagrou-se na literatura quando já vivia a fase
madura de sua vida. Filho de camponeses do Ribatejo (Portugal) exerceu diversas
profissões antes de se dedicar à literatura. Foi serralheiro, desenhista,
funcionário público, editor e jornalista. Dentre outras honrarias, foi ganhador
do Prêmio Camões (1995). Publicou várias obras-primas da literatura mundial,
merecem destaque: Memorial do Convento (1982), O Ano da Morte de Ricardo Reis
(1984), O Evangelho segundo Jesus Cristo (1991), Ensaio sobre a cegueira
(1995), O Homem Duplicado (2002), Ensaio sobre a lucidez (2004) e As
intermitências da Morte (2005). Saramago, de opiniões e falas tão fortes quanto
a literatura que criou, despertou na comunidade internacional sentimentos que
vão do amor ao ódio, mas, jamais a indiferença. As polêmicas em que se envolvia
era o preço que pagava por ser um pensador original. Não temia nelas se
envolver, considerava que a liberdade de expressão era um direito inalienável,
tanto que chegou a propor que à Declaração Universal dos Direitos Humanos,
deveriam ser acrescidos dois novos artigos que garantissem o direito à
dissidência e à heresia.
Este humilde escriba tornou-se uma nova vítima do
escritor português, milhões o foram antes. Explico, concluí a leitura de
“Ensaio sobre a cegueira”, obra que rendeu o prêmio Nobel de Literatura ao
autor que, ao ser entrevistado, afirmou ter desenvolvido a obra, de tal forma,
a fazer com que o leitor ao lê-la, sofresse tanto quanto ele, ao escrevê-la.
Não sou uma pessoa muito sensível, mas, confesso que ao terminar a leitura da
obra, pensei que minha próxima leitura precisa ser leve e que nem o passar do
tempo tampouco me fará esquecer a trama dessa obra. Em “Ensaio sobre a cegueira”,
Saramago propõe uma sociedade, em que aos poucos, todos vão ficando cegos. Uma
cegueira que contraria os manuais da medicina e aparenta ser contagiosa, mas,
cujas pessoas afetadas enxergam tudo branco e não escuro. A partir de um
motorista que em seu carro espera o sinal abrir, ocasião em que se percebe cego,
em meio a buzinas e gritos para que movimentasse seu automóvel. Um homem
resolve lhe ajudar, leva-o para seu apartamento, mas, aproveita a ocasião para
roubar-lhe o carro. O ladrão de automóveis acaba por ficar cego e é ajudado por
um policial que ignorava a atividade criminosa deste. Mais tarde, o policial
fica também cego. O primeiro cego (na obra, nenhuma personagem tem nome)
auxiliado por sua esposa vai ao oftalmologista e, este nada encontra de anormal
em seus olhos. Todas as pessoas presentes no consultório acabam por ficar cegas,
inclusive o médico que perde sua visão quando, já em casa, busca nos livros de
medicina alguma coisa sobre o estranho “mal branco”. A única pessoa a não
perder a visão é a esposa do médico, que mente estar também cega para ir com
este ao edifício abandonado do manicômio onde as autoridades da saúde colocam
em quarentena as pessoas portadoras da estranha cegueira e aqueles que com eles
conviveram e se supõe estarem contagiados e que brevemente irão desenvolver a
doença. Para guardar o edifício, o Exército foi convocado, nem por isso os
soldados têm menor receio de contrair a doença. Ao sanatório são trazidos
diariamente novos doentes. Mas, a doença se alastra e toda a sociedade fica
cega, inclusive o governo do país. O caos se instala.
A obra de Saramago tem uma redação que lhe é
característica. Parágrafos muitos longos que para alguns autores poderiam ser
capítulos. Os diálogos entre as personagens se alternam por meio de vírgulas e
não de pontos. Ao compor a personagem da mulher do médico, a única que enxerga,
nem por isso, uma privilegiada ante o que vê, o escritor nos lembra da
“responsabilidade de ter olhos quando outros o perderam”. Entrevistado, o autor
afirmou: “na verdade, somos todos cegos, pois a humanidade vive uma cegueira da
razão”. A obra também nos lembra daquele famoso adágio popular: “O pior cego é
aquele que não quer ver”. Parafraseando Saramago, no Brasil atual, talvez mais
do que em qualquer outro lugar do planeta, os que têm olhos, têm diante de si,
a responsabilidade de preservá-los, mas, tal como a esposa do médico, não estão
livres de sentir angústias e náuseas, quando as pessoas mutiladas de sua
suposta normalidade, mostram a coisa que de fato são e que não possui nome.
Sugestão
de boa leitura:
Título:
Ensaio sobre a cegueira.
Autor:
José Saramago.
Editora:
Companhia das Letras, São Paulo, 1995, 79ª reimpressão, 310 p.
Preço: R$
46,32 (capa comum).
Nenhum comentário:
Postar um comentário