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domingo, 29 de setembro de 2019

Cidadania se aprende na prática



               
O filósofo grego Aristóteles (384 a.C – 322 a.C) observou que “o homem é um ser que necessita de coisas e dos outros, portanto, carente e imperfeito, busca a comunidade para alcançar a completude, disso deduz que o homem é naturalmente um ser político”. A política na definição grega é “a arte ou ciência da organização, direção e administração de nações ou Estados”. Bastaria isso para deixar evidente a suma importância para qualquer cidadão em interessar-se pela política. Porém, vivemos tempos obscuros. Tornou-se motivo de orgulho declarar-se apolítico. Trata-se de gente que certamente nunca leu Bertolt Brecht (1898-1956). Brecht legou a posteridade a sua reflexão sobre o pior analfabeto, que, em seu ver seria o analfabeto político. Ele professou: “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais”.
            Numa sociedade em que os analfabetos políticos abundam e, não medem esforços para criminalizar a política, interessar-se por esta passou a ser motivo de grande desconfiança sobre o caráter moral de qualquer indivíduo. A simples menção da palavra “política” soa algo obsceno nos dias atuais, principalmente, nas escolas. Que a política partidária não deva fazer parte do fazer pedagógico é algo que ninguém contesta, porém, alijar a política apartidária do fazer pedagógico principalmente na área de humanas é retirar as rodas de um automóvel e querer que ele tenha o mesmo desempenho, pois, como professorou o mestre Paulo Freire (1921-1997), “educar é um ato de amor, mas, também um ato político”.  Todos sabem que o senso comum é a tônica na construção do discurso corrente por parte da sociedade, porém, não se pode deixar de observar o aspecto manipulador levado a cabo por grupos organizados da sociedade que publicizam serem apartidários, mas, que visam objetivos que não são os da coletividade, evidenciando seu caráter partidário ou de classe. Tais grupos buscam criminalizar a política e, com ela qualquer tentativa de trabalho crítico em classe. E criticidade acerca da realidade, ou do status quo societário passou a ser algo duramente combatido. O que preocupa é o baixo esclarecimento de grande parcela da população que acaba por servir de massa de manobra dos “políticos vigaristas” no entender de Brecht. Também preocupa o desinteresse da população pela política, sendo esta, como enunciado por Brecht de suma importância para sociedade atual como para a construção das condições objetivas que nortearão a vida das futuras gerações. O filósofo grego Platão (428 a.C – 347 a.C) afirma que “não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados pelos que gostam”. Platão foi além, reiterou que “a punição que os bons sofrem, quando se recusam a agir, é viver sob o governo dos maus”.
            Partindo do pressuposto ditado por Aristóteles de que o homem é um ser essencialmente político, importa resgatar o interesse por essa belíssima palavra tão vilipendiada ao longo da história. As ações nefastas que indivíduos ou grupos praticaram/praticam contra a sociedade em benefício próprio ou do grupo a que pertenciam/pertencem não encerra o significado e a importância da política. Também precisamos ter a consciência de que a corrupção não é exclusividade dos políticos “profissionais”, pois, permeia a sociedade e os três poderes da República. Mas, não se pode mudar o que não se conhece. E nisso, a escola tem uma importância fundamental, porém, a escola está em disputa. Há os que dizem que ela deve servir unicamente para a formação de mão-de-obra para o mercado de trabalho. Há os que dizem que ela deve formar para a cidadania. Os primeiros criticam e atuam fortemente para que a escola perca o seu caráter de formação para a cidadania, pois, a eles interessa a formação de um trabalhador que se pareça ao boi, muito músculo para o trabalho, porém, pouca ou nenhuma consciência acerca de sua própria força. A criminalização da política é um projeto, pois, interessa afastar as pessoas bem intencionadas e incutir na sociedade a ideia de que as coisas são imutáveis. É certo que as mudanças são lentas, perpassam gerações, mas, se nada fizermos nada mudará. Neste sentido parabenizo o excelentíssimo Sr. Doutor Alberto Moreira Cortes Neto, MM Juiz da 45ª Zona Eleitoral de Laranjeiras do Sul e, a todas as pessoas que contribuíram para levar a efeito o Projeto Parlamento Jovem nas escolas de Laranjeiras do Sul com a eleição de treze vereadores mirins, inclusive com a confecção de títulos eleitorais específicos e a utilização de urnas eletrônicas. Após o processo eleitoral, os vereadores foram diplomados no Fórum e empossados na Câmara de Vereadores. Os jovens eleitos farão um curso de gestão pública oferecido pelo Poder Legislativo Municipal e poderão apresentar projetos que podem ser debatidos e, caso aprovados pelo Poder Legislativo Municipal poderão beneficiar toda a sociedade. O mandato dos vereadores mirins é breve, mas o aprendizado é para a vida toda!

domingo, 22 de setembro de 2019

Fogo Morto



                José Lins do Rego (José Lins do Rego Cavalcanti) nasceu em Engenho Corredor, na Paraíba, em três de junho de 1901 e, faleceu no Rio de Janeiro, a doze de setembro de 1957. Dentro do que se esperava de um filho da elite rural nordestina estudou e formou-se em Direito. Colaborou no Jornal do Recife e, em 1922, fundou o semanário Dom Casmurro. O tempo que passou em Recife possibilitou-lhe laços de amizade com várias personalidades que influenciaram sua carreira na literatura, dentre elas, Gilberto Freire. José Lins do Rego ainda muito jovem revelou seu talento para a literatura. A obra de José Lins traz em seu bojo, as origens das diferentes gerações de sua família ligada ao mundo rural do nordeste açucareiro. No Brasil poucos escritores conseguiram/conseguem viver apenas dos rendimentos de sua literatura. José Lins não escapou a essa regra e, trabalhou por pouco tempo como promotor, fiscal de bancos e, fiscal do imposto de consumo. Colaborou em vários periódicos com crônicas diárias. Quando morou em Maceió, tornou-se colaborador do Jornal de Alagoas e passou a fazer parte do grupo de Graciliano Ramos, Raquel de Queirós, Aurélio Buarque de Holanda e outros. Ali publicou seu primeiro livro, Menino de engenho (1932), obra considerada de fundamental importância na história do moderno romance brasileiro e que lhe rendeu o Prêmio da Fundação Graça Aranha. Sua paixão pelo esporte (torcedor do Flamengo) o levou a ocupar o cargo de secretário-geral da Confederação Brasileira de Desportos (1942 a 1954). Em certa ocasião, ao falar de sua literatura, afirmou “[...] meu futebol é de primeira. Eu não uso a bola para fazer bailado. Eu a atiro ao primeiro golpe e, se não chego a realizar uma jogada com perfeição, não comprometo, por outro lado, a eficiência do meu time”.
José Lins do Rego se popularizou como um romancista da decadência dos senhores de engenhos e tinha como característica escrever com grande agilidade, apesar de dizer a todos que o ato de escrever era difícil. A matéria-prima de suas obras estava nas memórias e reminiscências (vividas e internalizadas pela transmissão oral por seus predecessores) de um sistema econômico de origem patriarcal, com o trabalho semi-escravo do eito, ao lado de outro aspecto importante da vida nordestina, o cangaço e o misticismo. O conjunto de sua obra pode ser classificado em três tópicos: 1. O ciclo da cana-de-açúcar, com Menino do Engenho, Doidinho, Banguê, Usina e Fogo Morto; 2. O ciclo do cangaço, misticismo e seca, com Pedra Bonita e Cangaceiros; 3. Obras independentes com ligações nos dois ciclos: O moleque Ricardo, Pureza e Riacho Doce; e desligadas dos ciclos: Água-mãe e Eurídice. Sua carreira como literato o lançou à “imortalidade” como membro eleito da Academia Brasileira de Letras – ABL. José Lins tentou produzir obras desligadas dos temas que o popularizaram, porém, como assinalou Manuel Bandeira: “era um motor que só funcionava bem queimando bagaço de cana”.
A obra Fogo Morto (1943) é dividida em três partes. A primeira parte tem como personagem principal, o mestre José Amaro. José Amaro é um seleiro que mora com sua esposa e filha nas terras do Coronel Lula, proprietário do Engenho Santa Fé. O mestre é muito habilidoso no seu ofício. José Amaro tem uma língua ferina e, aponta deficiências no caráter de quase todos, ao mesmo tempo em que afirma ser um homem correto e independente. Também se mostra decepcionado com a vida e com a família. Entre as suas decepções está fato de que não teve um filho homem para ensinar-lhe os rudimentos da profissão. Sua filha não conseguiu se casar e com o passar do tempo enlouquece. O Coronel Lula manda que se retire de suas terras, sua esposa o abandona e, sua vida passa a ser de lamentos e ideias de vingança contra o negro Floripes, o causador do desentendimento dele com o senhor de engenho. A segunda parte tem como título “o engenho de seu Lula”. O Engenho Santa Fé criado por seu Tomás Cabral de Melo e Dona Mariquinha, apesar de ser pequeno se comparado aos engenhos vizinhos, tem grande produtividade com o empenho pessoal de seus proprietários. O casal tem duas filhas, Amélia e Olívia. Amélia, refinada, estudou na capital, nas melhores escolas. Olívia seguia o mesmo roteiro, porém, enlouqueceu. Passa o tempo e, não aparece um pretendente à altura de Amélia. Surge então Luis Cesar de Holanda Chacon, órfão de pai, morador da cidade grande, possuidor de grande orgulho de suas raízes familiares, mas, sem nenhum dinheiro. Casa-se com Dona Amélia, mas, para a decepção de seu Tomás, não tem nenhum interesse em aprender a administrar o engenho e dedica-se apenas a ler jornais. Com a morte de seu Tomás, seu Lula tenta tomar para si o engenho, mas, Dona Mariquinha consegue na Justiça o direito de administrá-lo. Seu Lula e Dona Amélia, têm uma filha. Seu Lula, nega a Dona Mariquinha, o contato com a netinha. Dona Mariquinha morre, seu Lula passa a administrar o engenho, mas, sua inaptidão é tão grande que sua esposa sente vontade de tomar a tarefa para si, mas, não o faz afinal, Lula é o homem, poderia não gostar. O Engenho entra em decadência e eles vão ficando cada vez mais pobres. A terceira parte trata do Capitão Vitorino, homem que costuma fazer bravatas, mas, que não é levado muito a sério, sendo que até os moleques, ao passar por ele gritam “papa-rabo”, apelido que recebeu por ter o costume de cortar o rabo de alguns de seus animais. Capitão Vitorino tem interesse na política, é da oposição e se coloca em defesa dos mais fracos. Apesar de inofensivo, apanha da polícia e, é preso por suas atitudes insolentes perante o Tenente Maurício, que se encontra na região para eliminar a ação de cangaceiros do bando do Capitão Antonio Silvino. Mais, não posso falar, sob pena de estragar a sua leitura caso assim deseje.
Sugestão de boa leitura:
Título: Fogo Morto.
Autor: José Lins do Rego.
Editora: José Olympio, São Paulo, 2014, 77ª edição, 414 p.
Preço: R$ 38,80 (capa comum).

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Nerje: Laranjeiras do Sul

     
 Neste momento em que escrevo estas linhas, me assalta a mente o pensamento de que deveria ter escrito sobre esta obra há mais tempo. Quisera não estar escrevendo acerca da mesma pelas circunstâncias que o destino implacável sempre acaba por impor. Laranjeiras do Sul e região perderam uma pessoa que valorizava a cultura popular e a história regional como poucos, e que inconformado ao ver as sombras que pairavam sobre os momentos fundantes de nossa região, ou nas palavras do saudoso e inesquecível João Olivir Camargo, “as raízes da nossa terra” resolveu “desenterrar” a nossa história pesquisando os poucos documentos restantes e, ouvindo testemunhas oculares dos fatos aqui ocorridos. Sou um feliz proprietário de um exemplar de seu livro “Nerje: Laranjeiras do Sul” publicado em 1999. A obra não teve reimpressão, o que causa o lamento de pessoas que conheço que afirmaram querer um exemplar. Sob outras circunstâncias que não as ditadas pelo destino, antes de escrever sobre sua obra, faria a releitura, tendo em vista tê-la lido há muito tempo.
          João Olivir Camargo foi radialista, colunista e historiador. Mantinha no Jornal Correio do Povo do Paraná a coluna intitulada “O Ponto do Conto” em que relembrava fatos pitorescos ocorridos na região envolvendo personagens que marcaram tempos passados de nossa terrinha. Tratava-se de uma leitura descontraída tão necessária em tempos angustiantes como os que vivemos, pois, resgatava e valorizava a cultura popular. Como radialista, João Olivir iniciou sua carreira na Rádio Educadora na década de 1960. Como historiador, sempre que convidado, se dispunha a dar palestras aos estudantes sobre a história de Laranjeiras do Sul e região. Mesmo que seu livro, cuja abordagem metodológica, seja alvo de críticas por alguns historiadores, ainda assim, trata-se de obra pioneira, e que cumpriu seu papel de lançar luzes ao passado histórico da região, cujo desconhecimento era marcante por parte da população residente.
            Em seu livro, João Olivir, inicia discorrendo sobre o Tratado de Tordesilhas, o qual colocava estas terras como pertencentes à Coroa Espanhola e acerca da passagem de padres jesuítas que mantiveram os primeiros contatos com os indígenas locais. Trata das bandeiras preadoras que tinham como objetivo a captura de indígenas para a escravatura. Também relata que esta região era terra de degredo, pois, após o rio Boca da Mata, atual rio Cavernoso, iniciava a selva. Guarapuava constituía o último núcleo de civilização. José Nogueira do Amaral, o pioneiro de Laranjeiras do Sul, morador de São Paulo (o Paraná era parte da Província de São Paulo), atocaiado por dois vizinhos de propriedade por motivos de divisas de terras, deu cabo dos dois e foi condenado à morte pela forca, mas teve sua pena comutada para degredo perpétuo, vindo a ser abandonado nestas terras com a condição de não mais voltar à “civilização”. Como degredado, inicialmente procurou evitar contato com os indígenas bravios que havia na região, mas, o tempo provou isso não ser possível, porém, como alguns índios sabiam falar português devido ao contato com religiosos que percorreram a região, explicou-lhes ter sido expulso pelos brancos e, com o tempo ganhou a simpatia dos indígenas. Algum tempo depois, sua família veio residir na região, embora consentida, a vinda de sua família a região causou certa animosidade aos habitantes nativos. Com o tempo vieram outras famílias e os choques com os índios se tornaram comuns. O livro discorre sobre as famílias pioneiras, as atividades comerciais e militares na região. Também faz o registro do tempo em que sob o nome de “Iguassú”, Laranjeiras do Sul foi a capital do Território Federal de mesmo nome. A obra após relatar a gigantesca área inicialmente formada pelo município de Laranjeiras do Sul, explica a formação dos novos municípios dele desmembrados. O livro traz também imprescindíveis imagens de época.

            Em nome de todos (as) que valorizam a cultura e a história de nossa região, ao João Olivir Camargo, prestamos a nossa homenagem e gratidão!

Sugestão de boa leitura:

Título: Nerje: Laranjeiras do Sul

Autor: João Olivir Camargo

Editora: Gráfica e Editora Vicentina Ltda, Curitiba, 1999, 228 p.

Preço: R$59,90 – R$ 69,90 (capa comum)

*Somente dois exemplares (usados) estão disponíveis no site da Estante Virtual – garanta o seu!

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Ensaio sobre a cegueira



               
O escritor português José de Souza Saramago (1922-2010) é, até o momento, o único literato em língua portuguesa que teve a honra de ser galardoado com o Prêmio Nobel (1998). José Saramago consagrou-se na literatura quando já vivia a fase madura de sua vida. Filho de camponeses do Ribatejo (Portugal) exerceu diversas profissões antes de se dedicar à literatura. Foi serralheiro, desenhista, funcionário público, editor e jornalista. Dentre outras honrarias, foi ganhador do Prêmio Camões (1995). Publicou várias obras-primas da literatura mundial, merecem destaque: Memorial do Convento (1982), O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), O Evangelho segundo Jesus Cristo (1991), Ensaio sobre a cegueira (1995), O Homem Duplicado (2002), Ensaio sobre a lucidez (2004) e As intermitências da Morte (2005). Saramago, de opiniões e falas tão fortes quanto a literatura que criou, despertou na comunidade internacional sentimentos que vão do amor ao ódio, mas, jamais a indiferença. As polêmicas em que se envolvia era o preço que pagava por ser um pensador original. Não temia nelas se envolver, considerava que a liberdade de expressão era um direito inalienável, tanto que chegou a propor que à Declaração Universal dos Direitos Humanos, deveriam ser acrescidos dois novos artigos que garantissem o direito à dissidência e à heresia.
            Este humilde escriba tornou-se uma nova vítima do escritor português, milhões o foram antes. Explico, concluí a leitura de “Ensaio sobre a cegueira”, obra que rendeu o prêmio Nobel de Literatura ao autor que, ao ser entrevistado, afirmou ter desenvolvido a obra, de tal forma, a fazer com que o leitor ao lê-la, sofresse tanto quanto ele, ao escrevê-la. Não sou uma pessoa muito sensível, mas, confesso que ao terminar a leitura da obra, pensei que minha próxima leitura precisa ser leve e que nem o passar do tempo tampouco me fará esquecer a trama dessa obra. Em “Ensaio sobre a cegueira”, Saramago propõe uma sociedade, em que aos poucos, todos vão ficando cegos. Uma cegueira que contraria os manuais da medicina e aparenta ser contagiosa, mas, cujas pessoas afetadas enxergam tudo branco e não escuro. A partir de um motorista que em seu carro espera o sinal abrir, ocasião em que se percebe cego, em meio a buzinas e gritos para que movimentasse seu automóvel. Um homem resolve lhe ajudar, leva-o para seu apartamento, mas, aproveita a ocasião para roubar-lhe o carro. O ladrão de automóveis acaba por ficar cego e é ajudado por um policial que ignorava a atividade criminosa deste. Mais tarde, o policial fica também cego. O primeiro cego (na obra, nenhuma personagem tem nome) auxiliado por sua esposa vai ao oftalmologista e, este nada encontra de anormal em seus olhos. Todas as pessoas presentes no consultório acabam por ficar cegas, inclusive o médico que perde sua visão quando, já em casa, busca nos livros de medicina alguma coisa sobre o estranho “mal branco”. A única pessoa a não perder a visão é a esposa do médico, que mente estar também cega para ir com este ao edifício abandonado do manicômio onde as autoridades da saúde colocam em quarentena as pessoas portadoras da estranha cegueira e aqueles que com eles conviveram e se supõe estarem contagiados e que brevemente irão desenvolver a doença. Para guardar o edifício, o Exército foi convocado, nem por isso os soldados têm menor receio de contrair a doença. Ao sanatório são trazidos diariamente novos doentes. Mas, a doença se alastra e toda a sociedade fica cega, inclusive o governo do país. O caos se instala.
            A obra de Saramago tem uma redação que lhe é característica. Parágrafos muitos longos que para alguns autores poderiam ser capítulos. Os diálogos entre as personagens se alternam por meio de vírgulas e não de pontos. Ao compor a personagem da mulher do médico, a única que enxerga, nem por isso, uma privilegiada ante o que vê, o escritor nos lembra da “responsabilidade de ter olhos quando outros o perderam”. Entrevistado, o autor afirmou: “na verdade, somos todos cegos, pois a humanidade vive uma cegueira da razão”. A obra também nos lembra daquele famoso adágio popular: “O pior cego é aquele que não quer ver”. Parafraseando Saramago, no Brasil atual, talvez mais do que em qualquer outro lugar do planeta, os que têm olhos, têm diante de si, a responsabilidade de preservá-los, mas, tal como a esposa do médico, não estão livres de sentir angústias e náuseas, quando as pessoas mutiladas de sua suposta normalidade, mostram a coisa que de fato são e que não possui nome.

Sugestão de boa leitura:

Título: Ensaio sobre a cegueira.

Autor: José Saramago.

Editora: Companhia das Letras, São Paulo, 1995, 79ª reimpressão, 310 p.

Preço: R$ 46,32 (capa comum).