Tão logo foi lançado, o livro “Quem pagou a
conta? A CIA na Guerra Fria da cultura” de Frances Stonor Saunders, este se
tornou uma sensação nos círculos acadêmicos e políticos dos Estados Unidos da
América. No ano de seu lançamento nos EUA (1999), o Brasil se encontrava no
início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC), após a
flexibilização do câmbio, medida adotada mediante a nova quebra financeira do
país que uma vez mais recorria ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Os
adversários o criticavam por sua manobra eleitoreira de esconder a desvalorização
do real frente ao dólar (não sem que alguns privilegiados soubessem) adotada
logo após as eleições, sempre tendo o auxilio do onipresente FMI, visando sua permanência
no Palácio do Planalto.
O livro chegou às livrarias brasileiras já no segundo
mandato de Luís Inácio Lula da Silva (2008) e mostrou a que veio ao causar o
mesmo frisson, num período em que as comparações entre os governos de FHC
(1995-2002) e o de Lula (2003-2010) se tornaram inevitáveis. Os críticos ao
governo de FHC formados em sua maioria pela esquerda e centro-esquerda eram
muitos, também muitos eram os seus defensores. FHC em seu governo levou a cabo
um dos maiores programas de privatizações do mundo. E privatizar ou não já é
algo que divide opiniões, pois, está no cerne das discussões ideológicas sobre
o papel do Estado. Afinal, o Estado deve ser mínimo e estar a serviço da
iniciativa privada ou prestar serviços básicos à população mantendo empresas
estatais em setores estratégicos e fomentar o desenvolvimento socioeconômico
nacional? Pior ainda quando além dos preços baixíssimos alcançados nos leilões
das estatais, grande parte das privatizações se fez com empréstimos subsidiados
(de “pai para filho”) do BNDES ou em troca de “moedas podres” (títulos públicos
desvalorizados), ficando essas privatizações conhecidas como privataria
(privatização+pirataria). O sucesso no campo socioeconômico do governo Lula em
oposição aos resultados pífios do governo FHC não era suficiente para a
centro-esquerda. Era necessário mostrar aos simpatizantes do “príncipe dos
sociólogos” ou “príncipe da privataria” quem era FHC e a serviço de quem ele
estava. Algo que já estava evidente desde 1997, por ocasião do lançamento do
livro “Fernando Henrique Cardoso, o Brasil do possível” da jornalista francesa
Brigitte Hersant Leoni. À página 154 da obra, traz à luz as relações de
financiamento do CEBRAP de FHC em 1969 pela Fundação Ford (que Saunders revela
ser testa-de-ferro da CIA) que pode ter chegado à ordem de um milhão de
dólares.
A autora do livro, Frances Stonor Saunders (1966), é uma
jornalista e historiadora britânica, formada pela Universidade de Oxford (1987)
que trabalhou como cineasta televisiva produzindo vários documentários. O livro
de Saunders é um calhamaço de 556 páginas em que a autora discorre sobre os
resultados de sua extensa e detalhada pesquisa. Na obra, a autora mostra que a
CIA, por meio de fundações de fachada e outras aliadas não faziam apenas o
papel de um suposto Ministério da Cultura do país ianque patrocinando artistas
e intelectuais, pois, havia intencionalidades, e estas eram fazer a publicidade
anticomunista e pró-estadunidense, sem, no entanto, parecer publicidade dirigida
pela CIA a serviço dos Estados Unidos da América. Dessa forma, orquestras
sinfônicas e exposições de artistas plásticos estadunidenses foram enviadas em
excursões pela Europa principalmente nos anos 1950/60 para divulgar o país, o
capitalismo e a democracia liberal buscando eliminar a ideia dos europeus de
que os estadunidenses são culturalmente insignificantes.
A CIA
patrocinou, e até mesmo criou revistas em vários países europeus, que, para
manter as aparências, vez ou outra dirigiam algumas críticas “permitidas” aos
Estados Unidos da América. Grande parte das pessoas que trabalhavam nestas
revistas não sabiam dos recursos da CIA que mantinham tais publicações cujo
foco era condenar o autoritarismo, principalmente o do modelo soviético. Porém,
a autora mostra que tal como os intelectuais de esquerda (não comunistas)
gostavam de receber os recursos que serviam para a publicação de livros (com
diretrizes pré-estabelecidas) e a realização de palestras pelo mundo, ingênuos
seriam aqueles que não desconfiassem da fonte dos recursos que recebiam. A CIA,
embora priorizasse a Europa, não se esqueceu da América Latina (vide FHC). E se
utilizou até das religiões para estabelecer o caráter do comunismo como contrário
aos preceitos divinos. Hollywood foi procurada pela CIA e estabeleceu uma
longeva parceria com importantes diretores de cinema, os quais adequaram seus
filmes para levar ao público da telona uma mensagem anticomunista e
pró-estadunidense.
Encerro,
citando Henri Poincaré (1854-1912), quando disse: “duvidar de tudo ou acreditar
em tudo. São atitudes igualmente cômodas, pois nos dispensam do ato de
refletir”. Afinal, nem tudo é teoria da conspiração!
Sugestão
de Boa Leitura:
Título: Quem pagou a conta?
A CIA na Guerra Fria da Cultura.
Autora: Frances Stonor
Saunders.
Editora: Record.
Preço: R$ 144,00