O jornal O Estado de São Paulo veiculou artigo de Jamil
Chade em que a alta comissária para Direitos Humanos da ONU Michelle Bachelet
cita o Brasil como exemplo de eleição afetada pela desinformação¹. A reportagem
trata de temas já analisados e publicados nesta coluna em novembro de 2018 sob
os títulos: “As Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes” e
“Guerra híbrida no Brasil” e que podem ser acessados no site do jornal Correio
do Povo do Paraná ou no blog A Vista de Meu Ponto! Trata-se da monitoração,
coleta de dados, análise de perfil para intervenções pontuais e específicas por
meio de robôs na disseminação de fake news. Na época da campanha eleitoral, o
autor destas linhas chegou a ser incluído em um grupo de Whatsapp de apoio a
candidatura Bolsonaro, no qual constava como integrante o nome de Flavio
Bolsonaro. Pensei a princípio tratar-se de uma brincadeira de mau gosto de
algum desafeto tendo em vista ter sido sempre ferrenho opositor a ponto de
julgar que até mesmo um tucano no poder seria melhor para a nação do que o Capitão.
Tão rapidamente quanto fui incluído (não sem antes olhar os integrantes) saí do
grupo. O que talvez foi um erro, deveria ter ficado para observar o teor das
postagens. Após reflexão por ocasião da leitura do livro de Andrew Korybko e as
posteriores denúncias veiculadas pelo Jornal Folha de São Paulo, cheguei à
conclusão que existe a possibilidade de ter sido incluído no grupo por um robô,
devido a inúmeras postagens minhas no Facebook nas quais dirigi críticas a Bolsonaro.
Essa linha de raciocínio pode ser corroborada pelo fato de que a inteligência
artificial evoluiu muito, mas, não é infalível.
O fenômeno ocorrido nas eleições brasileiras não é
inédito sendo por isso motivo de preocupação mundial. Ocorreu nas eleições
presidenciais estadunidenses, no referendo sobre o Brexit (saída do Reino Unido
da União Europeia) e no Quênia. A eleição brasileira foi acompanhada de perto
por estudiosos, pois a própria democracia se encontra em risco com a
disseminação de fake news visando desinformar a população, e por meio da coleta
de informações e análise do perfil dos internautas, se faz a manipulação com o
objetivo de estimular comportamentos desejados. Michelle Bachelet questionou:
“nesse contexto, existe alguma dúvida de que nossa liberdade para pensar,
acreditar, expressar ideias e fazer nossas escolhas e viver como queremos está
sob ameaça?” e assegurou: “se nossos pensamentos, ideias e nossas relações
podem ser previstas por instrumentos digitais, e mesmo alterado pela ação de
programas digitais, então isso representa uma questão desafiadora e fundamental
sobre nosso futuro”. Na reportagem, Bachelet afirma ainda: “um dos desafios
será regular o mundo digital, além de trabalhar ao lado de engenheiros e
ativistas de direitos humanos para que essa esfera possa ser um local de
proteção dos direitos humanos”
Na
qualidade de professor, palestrante, sindicalista, articulista, blogueiro e
escritor (citei estas atividades apenas para explicar a origem da minha
análise), digo que as armas que o povo brasileiro precisa não são aquelas
defendidas pelo presidente eleito. As armas que o povo brasileiro precisa nestes
tristes tempos de fake news são de três “calibres”, a saber: 1. Interpretação
de texto; 2. Espírito crítico; 3. Consciência de classe. Uma pessoa que não
tenha desenvolvido bem essas três armas pode ser considerada um analfabeto
político como enunciado por Bertolt Brecht. Interpretação de texto para
entender o que está escrito e o que está nas entrelinhas, pois a política é a
arte do ilusionismo. Sua atenção é chamada para algo enquanto a “mágica” ocorre
no local onde você não olha. Espírito crítico para procurar outras fontes de
informação sabendo que a ideologia está em todos os discursos, principalmente
dos que se dizem apolíticos ou imparciais (os mais perigosos). Também é
importante dar espaço ao contraditório, ou seja, ouvir ou ler quem pensa
diferente. Num grupo onde todos pensam iguais não é o melhor ambiente para o
crescimento intelectual. Consciência de classe, pois, se é perfeitamente
compreensível que a elite financeira do país tenha determinada ideologia a qual
sustenta uma determinada visão de sociedade e de relações humanas intrínsecas,
é fundamental entender como esta ideologia lhe afeta para saber se posicionar.
E para isso é necessário compreender o papel que nela lhe é reservado. Quem você
é dentro desta ordem estabelecida pela classe dominante? Patrão ou trabalhador?
Rico ou pobre? Homem ou mulher? Heterossexual ou homossexual? Branco ou negro?
Nativo ou imigrante? Etc. A perícia na utilização das três armas somente é
adquirida com a leitura e a reflexão. “Aos livros, cidadãos”!
Fonte: 1. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,chefe-da-onu-cita-brasil-como-exemplo-de-eleicao-afetada-por-desinformacao,70002608330
– Acesso em 05 de Janeiro de 2019.
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