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sábado, 9 de agosto de 2025

A importância do ato de ler

 

        


Paulo Freire (1921-1997), mestre eterno da educação, denuncia em sua obra "A importância do ato de ler", o absurdo do analfabetismo que persiste no mundo, mesmo no século XXI. Para ele, ler vai além de decifrar letras: é interpretar criticamente a realidade, a "leitura do mundo". Sua luta não era só alfabetizar, mas emancipar, transformando a sociedade a partir da consciência crítica.

            Freire criticava a educação mecânica e defendia a "leiturização", ou seja, entender e intervir nas questões sociais. Infelizmente, ainda estamos longe disso, especialmente nos países pobres, onde o analfabetismo e a "má formação" (pessoas que leem, mas não refletem) perpetuam desigualdades. Muitos, mesmo com diplomas, têm visões limitadas do mundo, repetindo opiniões vazias sem compreender o contexto em que vivem.

            A verdadeira leitura exige reflexão sobre o vivido e o lido, desvendando a essência das coisas. A educação não pode ser neutra, como pregam os defensores do neoliberalismo, afinal, essa falsa neutralidade serve aos interesses da elite. Cabe aos educadores despertar nos alunos a consciência crítica, mostrando que o sistema atual concentra riqueza e gera fome.

            Freire nos convoca à coerência: unir teoria e prática, sonhar com uma sociedade justa e lutar por ela. "Estudar é um ato revolucionário", dizia, pois só o conhecimento liberta. O Brasil, foi criado "de cima para baixo" e precisa ser reinventado pela educação popular, onde todos sejam construtores da história, não espectadores.

            Tal qual o filósofo Sócrates, "sabemos que nada sabemos", mas seguimos aprendendo, porque transformar o mundo começa pela leitura crítica dele. Afinal, ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo, mas todos podemos lutar por justiça social.

 

Sugestão de boa leitura:

Título:  A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.

Autor: Paulo Freire.49 ed., São Paulo, Cortez, 2008.

Editora: Cortez, 2008, 49 ed., 104 p.

sábado, 2 de agosto de 2025

Guerreiros do Sol (com spoiler)

 

Há alguns dias, devido o recesso escolar, resolvi escolher um livro que fosse interessante e cuja leitura não exigisse grande concentração, afinal, a mente, o instrumento de trabalho de todo professor, também precisa de descanso. Eis que me deparo com o livro Guerreiros do Sol: violência e banditismo no Nordeste do escritor Frederico Pernambucano de Mello (1947). Na ocasião, ainda não tinha conhecimento da série de título homônimo do canal de streaming Globoplay, que pretendo assistir brevemente.

            O escritor escocês Charles MacFarlane (1799-1858) citado no livro de Mello, afirma acertadamente: "Existem poucos assuntos que nos interessem mais que as aventuras de salteadores e bandidos". Provavelmente foi essa a causa da escolha que fiz dessa obra, mesmo já tendo lido alguns clássicos sobre o tema.

            Ao iniciar a leitura, observo que a obra, não traz apenas relatos históricos, mas toda uma discussão sociológica, geográfica, histórica e política sobre o cangaço, sua origem, extensão, personalidades principais e partícipes. Mesmo assim, dada a boa escrita do autor, a qual torna a leitura prazerosa, não desanimei e encarei o calhamaço.

            Ao tratar do tema do cangaço, uma das perguntas sempre feitas, é o que levou tais pessoas dele participarem. Houve escritores que afirmaram se tratar de uma revolta contra o monopólio da terra e a exploração do trabalhador rural pelo latifundiário; Houve quem considerasse que o cangaço era uma revolta contra o capitalismo explorador, mesmo que seus atores (cangaceiros) fossem ignorantes da teoria marxista que, no entanto, agiam imbuídos pelo sentimento intrínseco. Também há aqueles que viram no cangaço, uma resposta ao autoritarismo dos coronéis políticos do sertão.

            Segundo Frederico, não há um único motivo, mas três, a saber: 1. O cangaço como meio de vida, na qual os criminosos, têm no cangaço, a sua forma de subsistência, sendo que muitos chegaram a enriquecer no ofício e se "aposentaram", indo morar em paragens em que não eram conhecidos (muitos não viveram para tal). 2. O cangaço de vingança, quando os criminosos entraram para o cangaço, para fazer a vingança, seja de um pai/irmão assassinado ou de uma moça da família que tenha sido deflorada e que deixaram o cangaço após a realização da vingança. 3. O cangaço como refúgio que trata-se de homens que cometeram crimes, tais como homicídios e/ou estupros e têm a cabeça a prêmio, dessa forma entram para o cangaço para ter maior proteção, sendo que dele não podiam se retirar.

            Surpreendentemente, o cangaço também recebeu rapazes das melhores famílias, sem qualquer  influência doméstica e, sem um motivo aparente que não a imaginação fértil, da vida de aventura e suposto heroísmo, prova de fogo de sua masculinidade. Tais jovens sumiam de suas casas e, depois a família, atônita recebia a notícia de que estavam fazendo parte de algum grupo de cangaço. Há relato de um cangaceiro que não soube explicar por que entrou para o cangaço.

            Na obra, Mello descreve os papeis de sertanejos, cabras, capangas, jagunços, pistoleiros e cangaceiros. Descreve ainda os hábitos dos cangaceiros que abusavam de perfumes, jóias e roupas com detalhes bordados com uma vaidade que não ficava aquém do sexo feminino. Também suas crenças (religiosas ou não), como a de que após o ato sexual o homem perdia sua "oração" e ficava vulnerável às balas, por isso era melhor, não ter mulher no bando.

            O cangaço foi um fenômeno que ocorreu no século XIX e XX, sendo o apogeu de 1870 a 1940. Estudos demonstram que após as grandes crises de seca no sertão nordestino, as ações dos cangaceiros se intensificavam. Frederico classifica os surtos de cangaço como endêmicos em alguns períodos que ficaram restritos a algumas áreas específicas e como epidêmicos quando se disseminava por grande parte da região nordeste.

            O sertão nordestino nos estados de Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará foi o ambiente ideal para que os criminosos agissem, utilizando a estratégia de guerra de guerrilha, atacavam fazendas, vilas e cidades e se embrenhavam na caatinga, fazendo longas caminhadas diárias, para surgir em um local distante, para fazer nova surtida. A geografia do sertão nordestino quanto ao relevo, ao clima e à vegetação é perfeita para os criminosos se esconderem, pois se tornaram exímios na orientação e deslocamento e faziam seus locais de descanso em pontos estratégicos para o enfrentamento, caso fossem surpreendidos.

            É importante dizer que os cangaceiros não tinham patrão, e em suas longas travessias, eram protegidos por alguns fazendeiros que lhe davam pouso temporário, para fins de descanso em suas terras e, que por isso eram chamados de coiteiros. Os fazendeiros em troca recebiam "proteção" dos cangaceiros, mas, não havia relação de submissão de nenhuma das partes, que se beneficiavam mutuamente desse esquema. Também coronéis políticos da região mantinham relações de troca de favores com cangaceiros. 

            A sociedade sertaneja não gostava da polícia, que era considerada muito violenta e muitas vezes repassavam informações de sua chegada aos cangaceiros. Havia dentre os cangaceiros, alguns que distribuíam algum dinheiro para as pessoas pobres por onde passavam. Também não se pode romancear o período, pois os ataques de grupos de cangaço à localidades sertanejas costumavam resultar em saques, destruição, mortes e estupros, principalmente quando havia resistência da população local.

            Os cangaceiros sempre afirmavam ter um "escudo ético", ou seja, um motivo que os levou para o mundo do crime. A crença popular era a de que no sertão quem não se vinga, já está moralmente morto. Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião (1898-1938) afirmava que tinha entrado para o cangaço para se vingar de seus desafetos José Saturnino e do tenente José Lucena.

            Apesar de seu escudo ético, estudos mostram que Lampião nunca se esforçou em fazer sua vingança. Há até um relato de um famoso pistoleiro que se ofereceu para "fazer o serviço" para Lampião, mas este afirmou que não precisava, pois era assunto antigo, caduco, tendo agradecido a oferta com alguns agrados materiais, uma faca finamente acabada e algum dinheiro.

             Por esse motivo, Lampião é classificado como integrante do cangaço meio de vida. Lampião, sempre que era questionado sobre por que não aproveitava a fortuna que tinha e se retirava do cangaço, se irritava e devolvia a resposta com uma pergunta: o senhor se retiraria de um negócio que está rendendo bem?

            Lampião, em que pese, a sua fama de violento e cruel, e isso é verdadeiro, em muitas  ocasiões, com fazendeiros e autoridades que lhe eram bem quistas, foi relatado como uma "moça" na delicadeza com que tratava seus amigos de fina estirpe.

            No auge do cangaço, alguns estudiosos tiveram contato com membros do cangaço e os descreveram como resolutos, bravos, vingativos e extremamente ignorantes, mas, também corajosos, generosos, sinceros e hospitaleiros. Nem por isso, pode-se esquecer os inúmeros crimes horrendos praticados por cangaceiros, um deles, José Baiano detestava mulheres que mantinham cabelo curto. Há relatos de estupros perpetrados por esse cangaceiro que marcava suas vítimas com ferro quente com suas iniciais, uma delas, cuja fotografia aparece no livro, foi marcada em uma das faces.

            Maria Gomes de Oliveira (Maria Bonita) seguiu Lampião no cangaço por sua livre vontade, mas nem todas tiveram essa opção. Havia dentre as mulheres, em grupos de cangaço, aquelas que foram obrigadas a seguir o cangaceiro que lhe raptou. O grupo de Lampião, foi pioneiro em admitir mulheres no bando, mas isso não era algo comum. Enquanto Sérgia Ribeiro da Silva (1915-1994), vulgo Dadá (esposa de Corisco), pegou realmente em armas, em geral, as cangaceiras não faziam a frente de luta (apesar de portarem pistolas e facas) e nem abriam mão de sua feminilidade. Eram para os cangaceiros um oásis de amor, paz e delicadeza em meio a rusticidade, a aspereza da caatinga e do cotidiano do cangaço. Filhos quando vinham eram enviados para adoção por pessoas devidamente selecionadas, às quais era enviada uma carta e a recomendação quanto ao nome para batismo.

             Lampião ficou rico com o cangaço e tinha amigos que cuidavam do seu tesouro, emprestava dinheiro a juros e cobrava os devedores inadimplentes com bilhetes ameaçadores. No sertão, embora houvesse compreensão com quem cometia homicídio, isto não acontecia no caso de roubo. Um cangaceiro, ao prestar depoimento, se exasperou com o delegado de polícia, que o acusou de roubo, disse-lhe que o chamasse de assassino, jamais de ladrão, pois não havia furtado, havia tomado bens à mão armada, ou seja, o proprietário estava presente e poderia ter defendido seus bens.

            Na obra, Mello relata que Cristino Gomes da Silva Cleto, vulgo Corisco, havia alertado Lampião que a Grota do Angico em Poço Redondo (SE) cheirava a defunto, Lampião que gostava de acampar ali, não lhe deu ouvidos, estava com excesso de confiança e abdicando de maiores cuidados quanto à proteção. No de 28 de julho de 1938, tendo obtido informações prévias da presença de Lampião e seu bando e, vindo do município de Piranhas (AL) que o tenente João Bezerra da Silva (1919-1955) de posse de três metralhadoras, encontraram o bando dormindo e fuzilaram-nos, sem que estes conseguissem reagir. As cabeças de Lampião e de seus integrantes foram decepadas e expostas na escadaria de prefeitura de Piranhas.

            Corisco foi o único cangaceiro do bando de Lampião a sobreviver, mas, tendo continuado a agir e a ameaçar a polícia foi morto dois anos depois. Dadá, sua esposa, foi presa e depois de ganhar a liberdade, refez sua vida, casou-se novamente e morreu em 1994. O ano de 1940, marcou oficialmente o fim do cangaço. O cangaço custou vultosa fortuna para o erário público de estados e da própria União. O enfrentamento definitivo do cangaço somente foi possível, com acordos feitos entres os entes federativos da União, afetados pela ação dos criminosos, no sentido de que diligências de um estado pudesse adentrar o estado vizinho quando em perseguição aos cangaceiros, frustrando manobra muitas vezes realizadas para escapar das volantes.

P.S. De forma alguma, essa resenha substitui o prazer e o conhecimento obtido com a leitura da obra!

 

Sugestão de boa leitura:

Título: Guerreiros do Sol: violência e banditismo no Nordeste.

Autor: Frederico Pernambucano de Mello.

Editora: CEPE, 2023, 612 p.