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domingo, 18 de agosto de 2024

"Self made man"

 

            A expressão “self made man” é tipicamente estadunidense e designa o homem que se fez por si próprio, ou seja, que por seus próprios méritos se elevou. Escrever sobre este tema é como pisar em terreno pantanoso, cada passo deve ser meticulosamente pensado antes de executado, embora nem isso evite que a dúvida ou a lama tomem conta do ser que caminha no pântano destas linhas. Meu público leitor é formado por duas pessoas, uma à esquerda e outra à direita do espectro ideológico, portanto preciso ser muito coerente em minhas reflexões para não apanhar de uma, ou das duas.

            Inicialmente preciso afirmar que essa expressão é carregada da ideologia capitalista e, toda ideologia inclusive aquela que prega a (impossível) ausência de ideologia deve ser objeto de reflexão à luz do conhecimento científico, que como sabemos, é também carregado de ideologia. Sei que é possível, um homem (peço desculpas às colegas feministas, mas, a expressão original é mesmo machista e não posso dar-lhe tonalidades que não possui) sair do estágio mais baixo da sociedade e chegar aos estratos intermediários (a classe média) ou ainda à pequena burguesia. Mas, o “self made man” padrão não é formado por indivíduos medianos, mas, de indivíduos que se agigantaram perante milhões ou bilhões de outros.

            Geralmente os estadunidenses afirmam ser “self made man” o indivíduo que amealhou grande fortuna. Fica o questionamento: Como é possível falar de um homem que se fez sozinho sem colaboradores (no jargão capitalista) ou no jargão marxista, de proletários cuja mais-valia lhes foi extraída? Ele realmente saiu dos estratos mais baixos da sociedade? Ou nasceu em berço privilegiado se comparado à maioria que forma a base da pirâmide social de seu país? Lembro de uma frase proferida por Honoré de Balzac que dita: “Por trás de toda grande fortuna há um crime”.

            Deve ser considerado “Self made man” quem utilizou de todos os artifícios para burlar o sistema e assim alcançar o ponto mais alto da pirâmide social e financeira? E quem pode dizer que é pelo patrimônio adquirido que se reconhece um “self made man”? E os critérios éticos e morais não contam? Afinal como se mede um “self made man”? Pelo patrimônio ou pelo caráter? Donald Trump ou Nelson Mandela? Carlos Slim ou Mohandas Karanchand Gandhi?

            No mundo de pessoas reais, neste do sopé da montanha societária, existem pessoas (da classe trabalhadora e da pequena burguesia) que batem no peito e afirmam que aquilo que possuem foi adquirido com o fruto do seu esforço e nada devem a ninguém! Não mesmo? Seus pais não fizeram esforços para que você estudasse (mesmo em escola pública) e não trabalhasse em sua adolescência? Você não precisou contar com uma política de pretenso Estado de Bem-Estar Social que em um país capitalista ainda assim lhe concedeu a oportunidade de ter acesso a Saúde e a Educação Pública (gratuita) das séries iniciais do Ensino Fundamental ao Ensino Superior, e até mesmo cursos de especialização, mestrado e doutorado bancados por meio da arrecadação de impostos junto à sociedade? Neste instante, lembro de outra frase, esta do genial Isaac Newton, a qual afirma: “gigantes são os mestres nos ombros dos quais me elevei”. Em sua vida, os mestres não foram fundamentais para as suas conquistas? Você não precisou de colaboradores/proletários?

            A expressão “self made man”, tal como a ideologia capitalista, se embasa na meritocracia. No entanto, sabemos que a classe trabalhadora (e não a classe patronal) é a verdadeira produtora de riquezas e que a classe média (desprovida do capital financeiro) é grande defensora da meritocracia porque deseja conservar os privilégios (que se baseiam no capital cultural) em relação ao andar de baixo da sociedade e que lhe confere a possibilidade de conseguir profissões bem remuneradas tais como a magistratura (via concurso público), ou ainda na medicina.

             Soa estranho que tal classe defenda tanto a meritocracia quando deseja conservar privilégios que impedem a ascensão de pessoas do andar de baixo e, portanto a igualdade tão necessária para a disputa meritocrática. Enfim, a expressão “self made man” tal como geralmente é apresentada, possui as nuances do individualismo, do personalismo e da idolatria ao materialismo, e como tudo em que se baseia a cultura do consumismo, apresenta o brilho da pirita (parece ouro, mas, não é)!


*Da série Vale a Pena Ler de Novo! - Publicado originalmente em 24 de agosto de 2017.

 

domingo, 11 de agosto de 2024

Neocolonialismo à espreita: mudanças estruturais na sociedade brasileira

 

Marcio Pochmann (1962) é um economista, pesquisador, professor e político brasileiro. É o atual presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pochmann escreveu mais de cinquenta livros, tendo sido agraciado três vezes com o Prêmio Jabuti.

            Pochmann faz uma análise do presente e para tal, rememora marcos históricos importantes do desenvolvimento nacional, tais momentos são tratados por ele como passagens de época. O autor cita como primeira transição de época, a Abolição da Escravatura em 1888, quando a sociedade brasileira fez a passagem para o trabalho assalariado, nem mesmo a forte presença da Aristocracia Rural no Congresso Nacional do Império, nem mesmo seu poder econômico conseguiu manter a escravidão. A emancipação das pessoas escravizadas não significou sua redenção social e econômica. O país permaneceu extremamente desigual, preconceituoso e perverso.

            A segunda passagem de época foi 1930, quando o governo nacional desenvolvimentista de Getúlio Vargas se instala no poder e, implementa uma política de substituição de importações, concedendo vantagens para que o capital nacional e estrangeiro manufature em solo pátrio, grande parte da pauta de importações brasileiras. É importante lembrar que a conjuntura favorecia, o período entre guerras e a Segunda Guerra Mundial, a atenção dos Estados Unidos voltada para o Velho Mundo, a saturação do mercado interno nas potências industriais (Estados Unidos e Europa).

            A terceira ruptura de época é a década de 1980, ainda sob a ditadura militar, a economia industrial passa a perder fôlego. O neoliberalismo sob a liderança de Reagan (EUA) e Thatcher (UK) avança celeremente e impulsiona a globalização e a consequente descentralização industrial. O Brasil,  sem ter consolidada a sua base industrial, passa a ser uma economia de serviços. A reforma trabalhista e a flexibilização da CLT, a uberização do mercado de trabalho, o crescimento do trabalho informal e a redução dos postos de trabalho na indústria (melhor remunerados) comprimem o mercado consumidor interno. De potência industrial emergente, o país tal como na época colonial volta a ser exportador de produtos primários (agropecuária e extrativismo) de baixo valor agregado, que enriquece poucos e incapaz de promover avanços  socioeconômicos para o conjunto da sociedade. Pochmann chama a sociedade e suas lideranças à reflexão para os desafios que a necessária correção de rumos exige para que o futuro do país não seja desperdiçado.

 

Sugestão de boa leitura:

Título: Neocolonialismo à espreita: mudanças estruturais na sociedade brasileira

Autor: Marcio Pochmann.

Editora: SESC,  2022, 338 p.

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Tijolaços

 

Em 15 de Novembro de 1989, o país comemorava o centenário da Proclamação da República, embora isto significasse muito pouco para um povo acostumado a não participar dos momentos decisivos da história nacional, geralmente tramados e executados pela elite. Acertadamente Lima Barreto afirmou: “o Brasil não tem um povo, mas um público. Povo luta por seus direitos e público apenas assiste de camarote”.

            Por ocasião da Proclamação da República tivemos algo que é rotineiro no Brasil: um golpe de Estado que visava atender os interesses da elite, e como é costume, o povo brasileiro se mostrou indiferente. Somos um país de tradição autocrática, os golpes de Estado se sucedem periodicamente após breves hiatos democráticos. Talvez por isso, que mesmo entre os trabalhadores é comum observar pessoas que pedem a volta de regimes ditatoriais. Em nosso país, a cultura democrática não está amadurecida. De um lado temos uma elite parasita que desde os primórdios da história da pátria suga os recursos públicos para fazer a manutenção dos injustos privilégios que desfruta à custa de milhões que não têm o mínimo para viver com dignidade. De outro, temos um povo com baixa instrução e reduzidíssima consciência política e de classe que contribui para a sustentação da parcela que os explora.

             Quando a Itália concluiu seu processo de unificação, o político Massimo D’Azeglio disse: “fizemos a Itália, precisamos agora fazer os italianos”. Massimo sabia que não se faz um país apenas com o território. É necessário um povo com sentimento de pertença ao território e ao sonho conjunto de nele construir uma grande nação. A Itália unificou seu território e foi bem sucedida na criação do povo italiano. Talvez devêssemos entrar em contato com historiadores e cientistas políticos italianos solicitando ajuda sobre como criar no Brasil, o povo brasileiro. Um povo com sentimento de pertença a este chão, e que seja comprometido em fazer deste rico território, aquilo que por natureza lhe está inevitavelmente reservado, ser uma grande nação, não apenas em tamanho de território. Afinal, ser uma potência é a vocação natural do Brasil. Se ainda não é, isto se deve às sabotagens de uma elite mesquinha, egocêntrica, cruel e com mente colonizada que prefere fazer o papel de feitor de escravos de seu povo em troca de benefícios espúrios a serviço dos senhores de escravos do grande capital nacional e estrangeiro.

            Neste momento obscuro pelo qual passa o país do “futuro”, que teima em nunca chegar e diante da crise moral em que se encontra, a falta de um grande líder político é muito sentida por todos aqueles que ainda têm em seus espíritos uma chama de patriotismo acesa. E esse líder é o saudoso Leonel de Moura Brizola (1922-2004). Brizola dedicou sua vida às grandes causas nacionais. Era acima de tudo um patriota. Orador eloquente, sua fala não passava despercebida, emocionava as pessoas que compartilhavam de seus ideais e irritava profundamente seus adversários. Escrevia tão bem quanto falava. A grande mídia lhe recusava espaço para divulgar seus pronunciamentos sempre de forte conteúdo, por isso, com recursos próprios e de seus companheiros comprava espaços na mídia para publicar seus artigos conhecidos como “tijolaços”.

            O grupo Globo lhe fazia oposição e buscava a todo custo prejudicar a sua imagem e campanhas políticas. Brizola, porém, nunca se curvou. Afirmava que não era caro o preço a se pagar para manter a dignidade e o caráter intactos. Vários de seus artigos foram direcionados em tom de resposta ao grupo Globo, e outros em forma de denúncias acerca de favorecimentos concedidos por governos e empresas estatais às empresas do referido grupo. Considerava o império midiático de Roberto Marinho (1904-2003) uma ameaça à população brasileira e à democracia nacional. Em certa oportunidade entrou para a história do jornalismo nacional ao ganhar na justiça um direito de resposta em horário nobre, mais especificamente durante o Jornal Nacional. O direito de resposta em questão foi lido pelo próprio apresentador âncora do JN Cid Moreira. Uma dura resposta à Globo e a Roberto Marinho, o que causou o êxtase da parcela mais esclarecida da sociedade.

            No dia 15 de Novembro de 1989, este escriba, então um jovem, depositava seu primeiro voto numa urna, e este foi em Leonel Brizola. Políticos como Brizola fazem muita falta neste momento sombrio pelo qual passa o país em que valores como o patriotismo e a decência na ocupação de cargo eletivo viraram tema de ficção, pois, a julgar por suas atitudes, grande parcela dos representantes eleitos zombam da sociedade. É importante que se diga que Brizola não se acomodaria ante o estado de coisas ocorridas após junho de 2013, quando milhões de manifestantes que se diziam insatisfeitos com a corrupção foram transformados em massa de manobra (devido o seu elevado grau de analfabetismo político), desestabilizando um governo democraticamente eleito e oportunizando a condução (via golpe) ao Poder de um grupo político que representa o suprassumo da corrupção nacional e que está destruindo qualquer possibilidade de desenvolvimento soberano do Brasil.

             O “público” brasileiro segue assistindo a destruição do país, a entrega de seus ricos recursos naturais ao capital estrangeiro e o desmonte da tímida tentativa de criação de um Estado de Bem-Estar Social. Rosa Luxemburgo disse: “Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem”. Apáticos como são, os brasileiros sentem-se confortáveis presos aos grilhões da TV Globo, e não enxergam em suas miseráveis existências, a senzala da vida real!

Sugestão de boa leitura:

Título: Tijolaços.

Autor: Leonel Brizola.

Editora: Ed. Galpão de ideias, 2017, 141 p. 


Vale a Pena Ler de Novo! - publicado originalmente: 

sexta-feira, 20 de outubro de 2017