O/a
leitor(a), obviamente ouviu inúmeras vezes que a depressão é o mal do século,
sendo diretamente relacionado à modernidade (ou pós-modernidade) em que
vivemos. A pessoa com depressão não passa incólume ante os fanáticos religiosos
que à doença ou transtorno mental atribuem uma vida de pecados e a necessidade
de conversão, ou ainda, a visão reducionista de que tudo sempre se resume à
questão biológica, pois, o cérebro não estaria produzindo o hormônio da
serotonina. A verdade é que a depressão continua a ser um grande desafio para a
ciência e, se ainda hoje determinar a origem do sofrimento de um indivíduo é
como caminhar em meio a um forte nevoeiro não vendo muito além do chão onde se
pisa, imagine algumas décadas atrás.
Os autores Christian Dunker, Nelson
da Silva Junior e Vladimir Pinheiro Safatle na obra "Neoliberalismo como
gestão do sofrimento psíquico" demonstram que a expansão do neoliberalismo
trouxe em seu bojo a multiplicação dos casos de depressão, sendo tal doença ou
transtorno mental detalhadamente descrita quanto às suas características,
porém, tal grau de investigação não é realizado quanto à causa comum (o neoliberalismo).
O Neoliberalismo (novo liberalismo) é muito mais que uma retomada dos ideais do
Liberalismo Clássico tal como proposto pelos pensadores clássicos Adam Smith
(1723-1790) e David Ricardo (1773-1824) ou seja, é a sua radicalização. Não se
trata apenas de implantar o ideário neoliberal na economia e na gestão dos
governos, mas de fincar raízes na mentalidade e na moralidade dos indivíduos
que compõem a sociedade. Isso fica evidente na fala da então Primeira Ministra
do Reino Unido Margareth Thatcher (1925 - 2013) quando disse "A economia é
apenas um meio, nosso objetivo é mudar mentes e corações".
O Neoliberalismo tem como objetivo
construir uma sociedade livre (para o capital), baseada no Estado Mínimo, no individualismo,
na quebra da solidariedade, no desmonte das leis trabalhistas, no
enfraquecimento dos sindicatos, na despolitização da vida e na formação de um
sujeito incapaz de pensar sobre sua própria realidade. Para atingir tais
objetivos, o pensador neoliberal Friedrich Von Hayek (1899-1992) disse preferir
uma "ditadura liberal a uma democracia sem liberalismo", essa frase
fala por si só, nada mais é necessário acrescentar quanto ao caráter
antidemocrático do Neoliberalismo que teve no Chile, sob a ditadura do General
Augusto Pinochet, seu principal laboratório. Nos tempos atuais, o indivíduo
jogado na informalidade devido à escassez da oferta de emprego formal é chamado
de "empreendedor", mesmo que na imensa maioria dos casos preferisse
ter um emprego formal e os direitos trabalhistas dele resultantes.
Os trabalhadores, rebatizados como
"colaboradores", numa tentativa de mascarar a exploração do trabalho
e da luta de classes, afinal, o colaborador é quem colabora no processo e não
quem de fato produz a riqueza, além disso, o ato de colaborar é
"voluntário", embora a necessidade da sobrevivência ditada pelo Neoliberalismo
não dê ao indivíduo outra possibilidade, apesar do discurso da liberdade para
vender sua mão de obra no mercado, é o mercado que fixa o valor desta pela Lei
da Oferta e da Procura. O mercado, por sua vez, considera como ideal a
existência de razoável número de desempregados para não haver pressão sobre o
valor da mercadoria mão de obra, majorando-a.
A flexibilização dos direitos
trabalhistas nada mais é que a destruição dos mesmos para possibilitar uma
maior acumulação capitalista com o aumento da exploração da mão de obra, agora
ainda mais precarizada. O indivíduo que abre uma microempresa individual e
passa a prestar serviços para a empresa em que sempre trabalhou, agora é um
"empresário de si mesmo", ou seja, torna-se escravo de si próprio. O
seu rendimento financeiro está relacionado ao seu desempenho na prestação do
serviço. Em busca de migalhas a mais, passa a ter uma forte auto-cobrança,
precisa performar e melhorar mais. Seja pela exaustão ou visando ter melhor
performance não são poucos os que recorrem aos médicos, ou seja, o
Neoliberalismo esgota o trabalhador e lucra com sua exaustão vendendo os
farmacológicos que lhe darão a pílula da felicidade ou da melhor performance.
Seja no trabalho formal ou no assim
chamado "empreendedorismo", os indivíduos são cobrados ou se cobram
cada vez mais. O que fazem nunca é bom o suficiente (qualitativamente/quantitativamente).
Estão sempre em débito com os outros ou consigo próprios. A necessidade de uma
melhor performance quase nunca alcançável dado o grau de exigência os leva à
incerteza, à insegurança, à angústia e a frustração. A doutrinação neoliberal
impõe a culpa do fracasso no indivíduo, este por sua vez adoece com o
sentimento de inadequação e da constatação de que não é produtivo o suficiente.
P.S. A obra
é de grande profundidade teórica e o tema vasto e complexo. Este artigo
constitui breve noção do tema retratado na obra. Fica a dica!
Sugestão de boa
leitura:
Título: Neoliberalismo como
gestão do sofrimento psíquico.
Autor: Christian Dunker;
Nelson da Silva Junior e Vladimir Pinheiro Safatle.
Editora: Autêntica, 2021, 288 pág.
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