Um
canalha à porta do Planalto
POR
FRANCISCO ASSIS - EURODEPUTADO DO PS PARA O JORNAL PÚBLICO (PORTUGAL)
Carlos Alberto Brilhante Ustra
foi um dos maiores, senão mesmo o maior torcionário, no tempo da ditadura
militar que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985. Em 2008 foi o primeiro oficial
condenado por sequestro e tortura. Comprovadamente, maltratou física e
psicologicamente centenas de pessoas e chegou ao limite de obrigar crianças a
presenciarem o dilacerante espectáculo do espancamento dos respectivos progenitores.
Nunca reconheceu os seus crimes nem manifestou o mais leve arrependimento pelos
seus actos desumanos. Era um canalha. Morreu em 2015, em Brasília, na cama de
um hospital. Foi precisamente este torcionário miserável que o então deputado
federal Jair Bolsonaro homenageou no momento em que votou a favor do impeachment da
Presidente Dilma Rousseff. Nessa ocasião, Bolsonaro pronunciou uma declaração
que o define integralmente: dedicou o seu voto à “memória do Coronel Carlos
Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”. É impossível imaginar,
naquele contexto, uma afirmação mais vil, um comportamento mais indigno, uma
atitude mais asquerosa. Bolsonaro revelou-se ali o que ele verdadeiramente é:
um canalha em estado puro.
O que é um canalha em estado
puro? É alguém que contraria qualquer tipo de critério moral e se coloca num
plano comportamental pré ou anticivilizacional. Quem elogia o torturador de uma
jovem mulher absolutamente indefesa atribui-se a si próprio um estatuto
praticamente sub-humano. Bolsonaro é dessa estirpe, desse rol de gente que leva
à interrogação sobre o que subsiste de humano no homem que literalmente se
desumaniza. [...] A barbárie tem muitos rostos: é estúpida, boçal, intolerante,
sectária, fanática, simplista, racista, xenófoba, homofóbica, sexista,
classista, irremediavelmente preconceituosa, inevitavelmente primária. Jair
Bolsonaro é um dos rostos perfeitos dessa barbárie em versão actual.
Tudo nele aponta para a pequenez: é um ser intelectualmente medíocre,
eticamente execrável, politicamente vulgar. Nele observa-se uma prodigiosa
ausência de qualquer tipo de grandeza e uma assustadora presença de tudo quanto
invalida um cidadão para o desempenho da mais humilde função pública. Por isso
mesmo ele é extraordinariamente perigoso: é a expressão quase exemplar do homem
sem qualidades subitamente erigido a um papel de liderança.
[...] Alguns analistas políticos,
uns por ignorância, outros por má-fé, tentam convencer-nos que os brasileiros
terão de escolher nas eleições presidenciais entre a cólera e a peste. Isso não
corresponde minimamente à verdade. Equiparar Haddad a Bolsonaro constitui um
acto moral e politicamente inqualificável. Quem o faz torna-se cúmplice de
Bolsonaro, da sua vertigem proto-fascista, da sua propensão para o culto da
violência. É por isso que não pode haver hesitações neste momento da história
do Brasil e, de uma certa maneira, da própria história da Humanidade. Haddad é
um intelectual sofisticado, um democrata respeitador dos princípios
fundamentais das sociedades abertas e pluralistas, um homem de reconhecida
integridade cívica e moral.
[...] Uma vitória de Bolsonaro
significaria um retrocesso civilizacional para o Brasil e para o mundo. Não
estamos, por isso, a falar de um confronto político e ideológico normal.
Estamos perante um verdadeiro confronto entre a civilização, por mais ténue que
esta seja, e a barbárie. Haddad é hoje mais do que Haddad, é mais do que o PT,
é mesmo mais do que o Brasil. Haddad é o símbolo da luta da razão crítica
contra o obscurantismo, da liberdade face ao despotismo, da aspiração
igualitária diante do culto das hierarquias de base biológica ou social. É por isso
que este combate nos interpela a todos. Estamos perante um momento de divisão
clara entre o que no Homem há de apelo à razão, ao culto da liberdade, ao
sentido da fraternidade, e o que no mesmo Homem há de impulso básico para o
autoritarismo, a servidão e a anulação da inteligência crítica. Há horas na
história em que tudo se reconduz a uma dicotomia simples que é ela própria o
oposto de uma redução ao simplismo. Sejamos claros, no Brasil, hoje, a opção é
evidente: Haddad significa a civilização, Bolsonaro representa a barbárie [...].
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FONTE: Disponível em: https://www.publico.pt/2018/10/11/mundo/opiniao/um-canalha-a-porta-do-planalto-1847097
- Acesso em 14 de outubro de 2018.