Em
minha cidade há um bairro com o nome Jaboticabal. O nome se deve ao fato de
originalmente haver no local grande presença de jabuticabeiras nativas cujo
nome científico é questão não resolvida: Myrciaria cauliflora; Plinia
trunciflora ou Plinia cauliflora. A jabuticabeira tem vários nomes populares: jabuticabeira-preta,
jabuticabeira-rajada, jabuticabeira-rósea, jabuticabeira-vermelho-branca,
jabuticaba-paulista, jabuticaba-ponhema, jabuticaba-açu. A jabuticabeira é uma planta higrófila, que aprecia
sol de médio a pleno esplendor e que desenvolve suas flores e frutos espalhados
pelos galhos e tronco. Os animais que se alimentam de seus frutos fazem a
dispersão da espécie pela floresta. Trata-se de uma planta bastante comum no
Brasil e inexistente ou rara, em outros países, por isso, considerada exótica
fora de nossas fronteiras. Restam poucas jabuticabeiras nativas no bairro
Jaboticabal, hoje elas abundam em Brasília, no bosque do STF. Neste bosque
destaca-se a subespécie roseo weberiensis pela sua grande produção de
jabuticabas, seguidas de subespécies estefensis.
É
costume se referir à jabuticaba para demonstrar contrariedade a fatos
inusitados que supostamente só ocorrem no Brasil. Sendo isto mais uma jabuticaba,
pois, ela também ocorre na Argentina, no Paraguai, no México e em outros
países, onde é cultivada como planta exótica que é. Jabuticabas, no entanto, se
desenvolvem com especial prodigalidade no espaço geográfico característico dos
países do Sul (subdesenvolvidos), porém, nenhum supera a produção de
jabuticabas do bosque do STF. Rosa Weber já produziu algumas
jabuticabas de qualidade. No processo contra José Dirceu, ela disse: ”não tenho
provas cabais contra José Dirceu, mas vou condená-lo porque a literatura
jurídica me permite”. Ora, se não há provas cabais aplica-se o princípio da
presunção da inocência e o in dúbio pro reo. Ninguém pode ter sua liberdade
retirada se a culpa não for confirmada com provas consistentes. No processo do
habeas corpus de Lula, ela saiu com uma nova jabuticaba: “Como vocês sabem, sou
contra a prisão em segunda instância, mas, no caso específico do habeas corpus
de Lula, vou acompanhar vocês e ser a favor da prisão em segunda instância. Mas
já adianto aqui, que quando formos votar a regra que vai valer para todo mundo,
votarei contra a prisão em segunda instância porque prisão em segunda instância
é inconstitucional”! Esta frase apontada como falsa por O Globo, que afirma que
ela não teria dito isso, porém, o conteúdo é verdadeiro, pois, em várias
oportunidades ela afirmou que na Ação Declaratória de Constitucionalidade
votaria contra a prisão em segunda instância por entender ser inconstitucional,
e na ocasião resolveu segundo O Globo seguir o relatório do Ministro Edson Fachin
e manter a colegialidade. A verdadeira fala foi: “Sou contra a prisão em
segunda estância, mas, neste caso específico, vou votar a favor porque é um
habeas corpus específico, não é uma ação de constitucionalidade”. Penso que os
jornalistas de O Globo produziram uma jabuticaba também, pois, se as palavras
foram outras, o conteúdo é o mesmo!
Em ambas as frases Rosa Weber tinha consciência da
inconstitucionalidade. Ora, a inconstitucionalidade da prisão antes do trânsito
em julgado é fato conhecido de todos, pois, a Constituição Federal determina em
seu artigo 5º “Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: [...] e no inciso LVII - ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O Código de Processo Penal
reforça isso de forma muito clara, pois no artigo 283 assim estabelece: “Ninguém poderá ser
preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da
autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória
transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude
de prisão temporária ou prisão preventiva”. Se a ministra estava consciente
disso, porque votou em contrariedade ao seu próprio entendimento? E consciente
de que tal voto poderia contribuir para que uma injustiça ocorresse com o
tolhimento de um dos mais importantes direitos humanos, a liberdade, porque
prosseguiu neste intento? Para seguir a maioria que só foi maioria porque ela assim votou? Por que
o habeas corpus específico de que falou era para Lula? Para
que a mídia golpista e os fascistas tivessem seu momento de êxtase com uma
prisão ilegal que logo seria decretada? Por que considera que o que deve valer para todo
mundo não vale para Lula? E quanto aos demais Ministros, agiram assim por medo da
Rede Globo? Para ouvir os clamores da opinião pública quando na verdade era de
parcela desta, justamente, a menos adepta à democracia e aos direitos
fundamentais? Quais interesses estão por trás da retirada de Lula das eleições
de 2018? São interesses do Grande Capital Nacional ou Estrangeiro, ou de ambos?
Há várias pessoas condenadas em segunda
instância e que não estão presas, e não critico isso, pois, é o que a
Constituição Federal estabelece como legal. A operação Lava-jato em sua
propaganda de combate ao crime organizado tornou o Estado criminoso ao relativizar
direitos, desrespeitar ou interpretar de forma esquizofrênica a Constituição
Federal e o Código de Processo Penal, e, ao arrepio da legislação
vigente, condenações em segunda instância foram permitidas desde 2016, indo na contramão
do que pregam regras estabelecidas em Estados Democráticos de Direito que apontam
que o bom juiz no início do processo precisa ter convicção da inocência do réu
e mudar sua convicção conforme as provas indicativas da culpabilidade deste
surgirem. O juiz não pode agir em consórcio com o Ministério Público Federal
direcionando o caso para o fim desejado (a condenação a qualquer custo do réu),
pois, aí se trata de um Tribunal de Inquisição e muitos inocentes serão
condenados enquanto outros cidadãos culpados, porém bem quistos, passarão ao
largo dos tribunais. Ao não aprovar a PEC n.º 37 se criou um monstro no Brasil
que só encontra paralelo na Estônia, pois, não há limites para os poderes do
Judiciário que se voltam agora contra os cidadãos, pois, destrói a própria
democracia para favorecer o grande capital nacional e estrangeiro. Quem hoje
aplaude o desrespeito aos direitos de Lula e de outras pessoas, amanhã poderá
ter os seus próprios direitos negados, pois, as novas e tresloucadas
interpretações da lei viram jurisprudências.
O Ministro Alexandre de Moraes
também tem produzido jabuticabas: ele afirmou que a presunção da inocência não
é um valor absoluto, mas, relativo. Segundo Moraes a presunção da inocência não
é desrespeitada com a prisão após a segunda instância. Moraes afirma ainda que
a prisão apenas após o trânsito em julgado seria a jabuticaba brasileira. Penso
que a jabuticaba brasileira é ter Ministros do STF que interpretam de forma
obtusa a Constituição Federal para ficar bem com a Mídia de Massa ou com a
parcela da sociedade com a qual se identifica. A Constituição Federal foi
redigida para garantir direitos (negados durante a sanguinária ditadura militar)
com o objetivo que o Estado sob o pretexto de combater o crime não se tornasse
criminoso. Além disso, a presunção da inocência é uma cláusula pétrea dos
Estados Democráticos de Direito e sua relativização é própria de regimes
ditatoriais. É importante lembrar que nas ditaduras modernas não são os
militares os agentes implantadores do Estado de Exceção, mas, o consórcio
formado pela Grande Mídia que segundo Noam Chomsky molda a opinião pública e o Judiciário,
que por meio do decisionismo pratica malabarismos jurídicos no afã de passar a
falsa impressão de normalidade do funcionamento das instituições quando
trabalha relativizando direitos e dando novas interpretações a estes em favor
do regime neoliberal que na sua sanha acumulativa sequestrou para si o Estado. E
que presunção da inocência é essa se primeiro a pessoa vai presa antes de
vencidas todas as possibilidades de recorrer? Seria algo como: eu não sei por
que estou te batendo, mas, você sabe por que está apanhando! Várias são as
jabuticabas produzidas pelo STF e falar acerca de todas resultaria um artigo
gigantesco, então encerro aqui e sugiro a leitura do livro “Estado
pós-democrático: neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis” do Juiz de
Direito Rubens R. R. Casara para entender o momento autocrático que passamos.
Fontes:
Constituição Federal da
República Federativa do Brasil (1988). Artigo 5º, Inciso LVII.
Art. 283 do Código de Processo Penal -
Decreto Lei 3689/41- disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10655791/artigo-283-do-decreto-lei-n-3689-de-03-de-outubro-de-1941
- acesso em 08 de Abril de 2018.
Estado pós-democrático:
neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis. Rubens R.R. Casara
editora Civilização Brasileira, 2017.
A prisão perpétua de Dirceu
e a luta de classes. Disponível em: https://www.brasil247.com/pt/colunistas/arturvoltolini/233126/A-pris%C3%A3o-perp%C3%A9tua-de-Dirceu-e-a-luta-de-classes.htm
– Acesso em 08 de Abril de 2018.
Fala atribuída à Ministra
Rosa Weber na votação do Habeas Corpus de Lula é falsa.
Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/eissomesmo/post/fala-atribuida-rosa-weber-em-votacao-do-hc-de-lula-e-falsa-entenda.html
- Acesso em 08 de Abril de 2018.
Veja a repercussão de
juristas sobre o julgamento do habeas corpus preventivo de Lula.
Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/veja-a-repercussao-de-juristas-sobre-o-julgamento-do-habeas-corpus-preventivo-de-lula.ghtml
- Acesso em 08 de Abril de 2018.
Moraes diz que a prisão em
segunda instância ajudou no combate à corrupção.
Disponível em: http://www.valor.com.br/politica/5430565/moraes-diz-que-prisao-na-2-instancia-ajudou-no-combate-corrupcao
- Acesso em 08 de Abril de 2018.