Todo final de ano se parece, as pessoas
exaustas por um ano de muita labuta, divergem ao conceituar o ano que finda.
Alguns comentam que o ano anterior foi muito bom e que esperam repetir a dose,
outros desejam esquecer o ano que termina e apostam firmemente que o ano que se
inicia será melhor. Chamou-me a atenção uma imagem do réveillon numa praia em
que um menino negro sem camisa, com os pés na água, pois, provavelmente foi
pular as sete ondas na passagem do ano, olha na direção do oceano com uma
expressão preocupada (estaria ele olhando preocupadamente sobre o que as ondas
do destino lhe trarão ou o oceano de preconceito e desigualdade no qual terá
que navegar?), nesta imagem, ao fundo, pessoas brancas vestidas com a cor padrão
da passagem do ano e de costas para o menino se abraçam (estariam elas a
demonstrar seu caráter ao virar as costas, mesmo inconscientemente, para não
ver algo que as tire de seu paraíso idílico?). A imagem diz tudo: o ano novo
começou no calendário, mas, não nos corações e mentes das pessoas. Apesar do
novo ano, o gari, mesmo tendo em vista sua grande importância social para a
saúde e bem-estar da população, continuará sendo tratado por muitos como o
“mais baixo na escala do trabalho” em conformidade com o pensamento de famoso
apresentador de telejornal. Pobres continuarão sendo pessoas que “têm mesmo que
trabalhar no dia de natal, pois, não estudaram” na opinião de um cliente
abastado e daqueles que partilham de seu pensamento. Professores, apesar de seus
imensos esforços em condições de trabalho cada vez mais precarizadas, e, em que
pese sua extrema importância ante a crise civilizacional, continuarão a ser
taxados de doutrinadores (que, no entanto, já não conseguem sequer fazer os
educandos estudarem para as provas). E negros, serão sempre aqueles que
inconvenientemente apertam a buzina dos automóveis na visão de outro
apresentador de telejornal e daqueles que comungam de sua opinião.
Há um texto genial de Roberto Pompeu de Toledo,
geralmente atribuído de forma errônea a Carlos Drummond de Andrade do qual
extraio um fragmento: “quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se
deu o nome de ano foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança fazendo-a
funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se
cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa
outra vez com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para frente
vai ser diferente...”. A passagem de ano é uma celebração que Gramsci afirmava
odiar, pois, entendia que esta se dava pelo signo do capitalismo, as pessoas
celebravam porque seus antepassados celebraram. Ele não era contra as pessoas
unirem-se em momentos festivos para celebrar o que fosse, mas, tal como Marx
afirmava em relação à religião no século XIX, que a fé desprovida da luta, não
muda o status societário, a passagem do ano, em si não mudava nada. Os opressores
continuariam a ser opressores e os oprimidos continuariam oprimidos. Em seu
ver, a não ser que a pessoa em seus propósitos resolvesse fazer de cada dia, um
ano novo, e prestar contas consigo própria, porém, não em uma data fixa
estabelecida pelo capitalismo, mas, a cada novo dia, em relação ao dia de ontem,
o ano novo jamais ocorreria. Gramsci afirmava que não havia uma muralha que
separasse o novo ano do que lhe antecedeu, pois, para a maioria, apesar do novo
ano tudo continuaria como antes em virtude de seu imobilismo, de sua apatia em
buscar fazer as mudanças ocorrerem ante as injustas situações postas.
Para encerrar, cito um fragmento do artigo “Receita de
Ano Novo” de Carlos Drummond de Andrade: “para ganhar um Ano Novo, que mereça
este nome, você meu caro, tem de merecê-lo, têm de fazê-lo novo. Eu sei que não
é fácil, mas tente, experimente, consciente. É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre”.
Afinal,
fazer as coisas do mesmo modo e esperar um resultado diferente, não é mostra de
persistência, mas de tolice! O ano de 2018 está dentro de você, cabe a você
decidir se vai deixá-lo existir, ou se o aborta, e permanece em 2017, 2016,
1964, 1954, 1932...
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