quinta-feira, 26 de janeiro de 2017
Há algo de podre no Reino da Dinamarca
William Shakespeare cunhou a expressão “há algo de podre no Reino da Dinamarca” ao se referir a traições e assassinatos que ocorriam na trama da peça teatral Hamlet. É evidente aos olhares atentos e às mentes abertas, que, tal como na peça shakespeariana há algo de muito podre neste reino tupiniquim. As Forças Armadas (apesar de seu até aqui aparente papel discreto e constitucional) carecem da confiança da sociedade que ainda se ressente das feridas resultantes do totalitarismo dos anos de chumbo, as demais instituições não estão em melhor situação. Quanto ao Poder Executivo, a sociedade sabe que está sendo governada por uma poderosa quadrilha de criminosos, e, ante a qual, a Polícia Federal, o STF e o Parlamento sem qualquer credibilidade junto à população, não representam tábua de salvação, pois, são engrenagens do falido e corrupto sistema político nacional. Nunca anteriormente autoridades tiveram tamanha desfaçatez em falar aos quatro ventos o teor putrefato de suas mentes sórdidas quanto às engenharias políticas e econômicas que operam em prejuízo da ética política sem o devido rubor na face. Pobre Brasil, pobres brasileiros!
Somos a nação do futuro que teima em nunca chegar! Há pouco sonhávamos que em uma geração seríamos uma nação desenvolvida, ganhamos credibilidade perante o mundo, ajudamos a criar e fomos protagonistas do G-20 e do BRICS. Lula e Dilma desempenharam papeis importantes no debate e definição das políticas econômicas e sociais para o mundo e não por acaso ocuparam lugares de destaque predeterminados pelo cerimonial nas fotografias oficiais. Mas um terremoto seguido de um tsunami bíblico com origem nas profundezas do inferno retirou o governo democraticamente eleito de Dilma com mais de 54 milhões de votos, e, impôs a suprema humilhação nacional, um golpe de Estado à moda de uma república das bananas em pleno século XXI. Fruto de uma conjugação de forças formada pela pior mídia de massa do mundo, um Congresso Nacional considerado o pior desde o fim da ditadura militar, um vice-presidente (Temer) corrupto, traidor e sem carisma algum, uma oposição fascista e irresponsável, um Judiciário igualmente corrupto que age seletivamente e nem se preocupa em disfarçar tal fato, e a cereja do bolo: o analfabetismo político de grande parte da população que entende a política nacional como um clássico Fla-Flu, ou seja, “nós x eles”, esquecendo-se que no meio de tudo isso há o povo brasileiro, a classe trabalhadora, a nação, cuja soberania vem sendo seguidamente vilipendiada após o golpe de Estado de 2016. Todos esses agentes são culpados da manobra de cavalo-de-pau imposto à nação no caminho do desenvolvimento econômico e social que trilhava, e cuja atual rota a conduz celeremente de volta ao lugar dos figurantes no teatro das nações, os cantos de fotografias oficiais ou fora delas quando a vergonha alheia não permite que nossos ilegítimos representantes dela façam parte.
Há uma nuvem negra sobre os céus do Brasil que prenuncia grandes tempestades vindouras, e indícios do que vem já estão aí, mas, o povo brasileiro apático tal como se estivesse anestesiado assiste o desmonte da nação, a entrega de suas riquezas (o pré-sal, o nióbio, as estatais estratégicas, a base de Alcântara, etc.). A destruição da economia, da indústria e da engenharia nacional por uma operação de suposto combate à corrupção (Lava-Jato) claramente parcial e seletiva que deveria investigar e punir políticos e empresários corruptos, porém, sem ferir de morte mega-empresas de engenharia nativa vitais para a economia nacional em benefício de empresas estrangeiras. A destruição da CLT e a consequente eliminação dos direitos trabalhistas, a redução drástica dos investimentos sociais e a impossibilidade da aposentadoria para parcela significativa da população que não viverá para tal, numa reforma previdenciária cujo objetivo é garantir mais dinheiro para a manutenção dos privilégios da alta burguesia especialmente os banqueiros e grandes capitalistas, justamente os que menos pagam impostos proporcionalmente. O leitor poderá achar que falo isso porque meu “time” perdeu, engana-se, falo porque sei com meus estudos e reflexões qual Brasil emergirá da efetivação desse desmonte neoliberal e capitalismo de desastre nos próximos anos e decênios, e digo mais, tal como Darcy Ribeiro “detestaria estar no lugar dos que me venceram”. Estou triste pelo futuro do país, mas, tenho a consciência tranquila, não apoiei o golpe!
P.S. Com relação ao título e ao momento atual do país há outra frase de Shakespeare que cai bem: “há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”.
quinta-feira, 19 de janeiro de 2017
Quem não chora não mama! A vida e obra do Barão de Itararé.
Neste período de férias nada melhor para a distração do que uma leitura leve para possibilitar descanso à mente. Neste sentido, a obra biográfica “Entre sem bater: a vida de Apparício Torelly, o Barão de Itararé”, escrita por Claudio Figueiredo é uma boa opção. O Barão de Itararé se tornou personagem folclórico nacional devido às suas famosas frases cuja criticidade destoava do comum por seu tempero humorístico. O livro em questão discorre não apenas acerca de sua vida e obra, mas, também da sociedade em que viveu trazendo à reflexão importantes fatos históricos nacionais.
Fernando Apparício Brinkerhoff Torelly, filho de João da Silva Torelly e de Maria Amélia Binkerhoff nasceu em 29 de Janeiro de 1895 e embora o povo gaúcho afirme que ele nasceu no Rio Grande do Sul como constava em seu título de eleitor, sua família conta que ele nasceu no Uruguai dentro de uma diligência a caminho da fazenda do avô materno localizada naquele país. A mãe suicidou-se aos 18 anos de idade quando Apparício contava 18 meses de vida. Órfão de mãe, seu pai o enviou ao Uruguai para ser criado pelos avôs maternos, porém, anos mais tarde observou que o menino fluente em espanhol tinha dificuldades na pronúncia da língua portuguesa. Resolveu então enviá-lo a um internato jesuíta em São Leopoldo (RS), na região do vale do Rio dos Sinos, onde ficou até completar o que hoje conhecemos como Ensino Médio. Apparício podia ver seus familiares apenas por ocasião da entrega de boletins que ocorria duas vezes por ano. No colégio jesuíta, considerado o melhor da região e para onde iam os filhos da elite de Porto Alegre, Torelly se destacou com seu humor e durante todo o tempo que permanecia no palco em apresentações teatrais fazia rir a platéia formada por padres e estudantes. Era também atleta e jogou como centro-avante da equipe do colégio jesuíta contra o Sport Club Internacional de Porto Alegre (então recém criado), ocasião em que venceram o então futuro maior adversário do Grêmio pelo placar de 4 x 2.
Ao concluir os estudos no colégio, foi convidado pelos padres jesuítas a prosseguir os estudos com o objetivo de ingressar na congregação tendo em vista que os padres afirmaram ver nele vocação religiosa, tal convite foi para Apparício uma surpresa, pois, jamais havia pensado em tal possibilidade. Parte da surpresa se devia a seu comportamento na escola, sempre irreverente para irritação dos mestres, motivo que o levava a crer que os padres ansiavam por sua saída daquele estabelecimento. Apesar de não aceitar o convite manteve grande carinho pelos padres jesuítas durante toda a vida. O jovem Torelly tinha inclinação para as letras, mas, sua família gostaria que estudasse Direito enquanto seu pai queria vê-lo formado em Medicina. Optou por Medicina e para cursar mudou-se para Porto Alegre. O pai, fazendeiro pecuarista de Rio Grande mandava recursos para custear suas despesas todo início de mês, mas, Apparício torrava o dinheiro em poucos dias com bebidas e mulheres, e, então tinha grandes dificuldades para passar o mês. Faltava muito às aulas, e quando presente, alguns professores se recusavam a ministrar as aulas por conta de seu comportamento. Em certa ocasião, um professor após lhe fazer várias perguntas e não conseguir dele a resposta certa pediu que trouxessem um fardo de alfafa e Torelly emendou: “e para mim, um cafezinho”.
Certa vez o professor perguntou a Apparício o que era um protozoário e ele deu a seguinte resposta: “um protozoário é um bichinho muito pequeno que se enxerga no microscópio”. O professor insatisfeito com a resposta muito simplista, perguntou se não poderia responder em nível mais adequado e ele não se fez de rogado e dando ênfase em sua fala disse: “um protozoário, preclaro mestre é um animanúnculo tão minúsculo que só pode ser observado através de lentes côncavo-biconvexas e à luz meridiana. É um ser tão inferior que parece sentir-se à vontade chafurdando na lama das sarjetas”. As ocasiões que os mestres inquiriam Apparício eram sempre momentos ansiosamente aguardados pela classe que não parava de rir. Torelly abandonou a faculdade de medicina no quarto ano, apesar disso, jamais perdeu seu interesse pela ciência chegando a investigar a febre aftosa que acometia o gado bovino, e, apesar de jamais ter conseguido sucesso na descoberta da vacina preventiva, seus estudos foram promissores e apontaram novos caminhos para os pesquisadores.
Apparício contou que certa vez acompanhou um prefeito do interior até a capital juntamente com outro político, e lá pediram verbas para o município, afinal, o governador recebeu grande número de votos naquela localidade, o governador atendeu ao prefeito, seu cabo eleitoral, entregando dinheiro em espécie e dando ordens para o secretário da fazenda que ajustariam depois a contabilidade referente ao dinheiro. O trio feliz resolveu parar num restaurante e comemorou tomando champanhes caríssimos, até que alguém disse que eles estavam num dia de sorte e convidou-os a ir ao cassino. Às três horas da manhã se deram conta que tinham perdido todo o dinheiro destinado ao município. No quarto de hotel, o prefeito ameaçava se matar com um revólver e dizia que os dois colegas levariam o corpo para ser sepultado. Apparício então afirmou: o senhor foi tão eficiente em conseguir o dinheiro, vamos voltar lá e conversar com o governador. Voltaram e contaram ao governador que impediram que seu amigo prefeito se suicidasse por conta da burrada que fizeram, e, com pena do trio, o governador deu ordens para o secretário da fazenda que contrariado os atendeu. Saíram e resolveram comemorar, porém com a condição que fosse apenas alguns champanhes, porém, depois já sob a ação do álcool, alguém que à custa do trio bebia disse: hoje é um dia de sorte, que tal irmos ao cassino? E tudo se repetiu, pois, às três horas já estavam lisos. E na madrugada, novamente o prefeito fazia sua lamentação e recomendações para seu enterro, quando Apparício inferiu: O senhor foi tão eficiente nas duas vezes, vamos lá falar com o governador e contar a situação. O prefeito perguntou se ele acreditava haver alguma chance de êxito e Torelly respondeu: “prefeito: quem dá duas, dá três”. Foram ao governador que pasmo ouviu novamente a mesma história, resolveu atendê-los, mas, impôs uma condição: um funcionário do governo os acompanharia até a estação de trem e somente entregaria o dinheiro quando estivessem embarcados e o trem estivesse partindo, e assim foi feito, desta vez com sucesso.
Após desistir da faculdade de medicina, Apporelly (como assinava seus artigos) passou a escrever para vários jornais no Rio Grande do Sul. Casou-se, teve filhos, mas teve um affair com a sogra, cuja descoberta obrigou-o divorciar-se e ir embora. Mudou-se então para o Rio de Janeiro. No Rio, escreveu colunas em jornais como O Globo e A Manhã. Logo montou seu próprio jornal intitulado “A Manha” com o subtítulo: “Quem não chora não mama”. Jamais deixou de trocar correspondências com sua ex-sogra e eterna paixão e nestas compartilhava confidências não escondendo nem mesmo seus relacionamentos fugazes com as mulheres cariocas resultantes da vida boêmia que levava na capital federal. Anos mais tarde, o casal passaria a viver juntos, pois, sua ex-sogra se separou do marido e foi ao seu encontro no Rio de Janeiro. Porém, após quatro anos, adoentada morreu e deixou Torelly solitário e único responsável pela criação dos três filhos do primeiro casamento. Certa vez, adoentado falou: “As duas cobras que estão no anel do médico significam que o médico cobra duas vezes, isto é, se cura cobra, e se mata cobra”. Noutra ocasião afirmou que “o banco é uma instituição que empresta dinheiro à gente se a gente apresentar provas suficientes de que não precisa de dinheiro”. Defendia o voto secreto, pois, somente assim o eleitor poderia votar em seu candidato sem ficar envergonhado perante a sociedade. Questionado sobre o que era a adolescência afirmou: “Adolescência é a idade em que o garoto se recusa a acreditar que um dia ficará tão cretino como o pai”. Apporelly foi preso e espancado pela polícia política de Vargas (1930-1945), ao ser libertado, mudou o cartaz que havia na porta de sua sala no jornal e que continha a frase: “bata antes de entrar” por outro com a frase: “entre sem bater”.
Torelly farsescamente se intitulou Barão de Itararé inventando até mesmo um brasão e a história de sua “nobreza”. Jamais escreveu um livro, apesar de ser muito admirado por sua cultura, não era disciplinado suficientemente para tal. Nunca enriqueceu e quando esteve em boa situação financeira vivia como se milionário fosse com direito até a motorista particular. Jamais entrou para a Academia Brasileira de Letras, aliás, com as constantes gozações concernentes aos “imortais” publicadas em seu jornal jamais se elegeria. No entanto, ainda em vida foi homenageado pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e depois de sua morte (27 de Novembro de 1971) pela própria Academia Brasileira de Letras.
Sugestão de boa leitura:
Entre sem bater: a vida de Apparício Torelly, o Barão de Itararé. Ed. Casa da Palavra, 2012.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2017
Temer e as vacas em cima das árvores
Em fins de dezembro do ano passado foi divulgada nova pesquisa sobre a percepção da população quanto ao governo federal e a aprovação de Temer ficou cravada em 8%, ou seja, 92% da população o desaprova. Fossem todas as pessoas da sociedade politizadas e ardorosas defensoras da democracia, o índice de aprovação seria 0%. Temer é um político sem carisma algum e conta com apenas 1% das intenções de voto para 2018. Vê-lo ocupando a cadeira da presidência é uma aberração tão grande cuja analogia remete aos casos de vacas em cima de árvores que lá foram parar por conta de enchentes. Todos sabem que somente acontecimentos trágicos colocam vacas e certos políticos em lugares que de outra forma jamais estariam. A elevação de Temer ao poder se fez pelo estupro à democracia e o sequestro de 54 milhões de votos não apenas em Dilma, mas, no projeto por ela apresentado à sociedade. E este não era o famigerado “ponte para o futuro” do PMDB, aliás, a não aceitação da implantação deste programa por parte da Presidenta e a tentativa dos golpistas de se protegerem da Operação Lava-Jato foram os motivos que a levaram ao ilegal Impeachment (sempre é bom repetir que embora previsto na Constituição, o processo de Impeachment sem a comprovação de crime de responsabilidade não tem valor jurídico e, portanto constitui golpe).
O golpe como já afirmamos teve a participação da grande mídia de massa (historicamente golpista e antipatriótica) que recebeu polpudos agradecimentos com o aumento da verba publicitária do Governo Federal e sua concentração nos grupos mais poderosos (Globo, Grupo Abril, etc.). A iniciativa golpista demonstrou ao país a amálgama formada por políticos corruptos do Congresso Nacional que jogaram fora os poucos escrúpulos que tinham ou fingiam ter e abraçaram o golpismo e atacaram de forma selvagem a democracia que deveriam defender, muitos de olho na Operação Lava-Jato e em interesses particulares traíram seus eleitores e a própria nação. O intelectual Ruy Barbosa (1849-1923) vaticinou: “a pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela não há a quem recorrer”. Tinha razão, sem a omissão ou participação do Poder Judiciário o golpe de Estado não teria prosperado. E a inexistência de uma Suprema Corte de alto nível foi o golpe final à democracia brasileira. Lembro que há uma passagem nos textos judaicos que afirma: “infeliz da geração, cujos juízes merecem ser julgados”. Infeliz Brasil, infeliz povo brasileiro! Temos em nosso país a pior mídia de massa, o pior Congresso Nacional e a pior Corte Suprema (STF) do planeta. A história não os absolverá!
Em fins de 2016, Temer ante a divulgação da referida pesquisa afirmou: “estou aproveitando a suposta impopularidade para tomar medidas impopulares”. De fato, nem mesmo os generais da ditadura militar ousaram fazer tanta atrocidade contra os direitos dos trabalhadores. Além de arruinar a vida de milhões de trabalhadores, o governo Temer está reduzindo a pó o projeto de país soberano que os governos progressistas de Lula e Dilma estavam construindo. A classe trabalhadora perde direitos historicamente conquistados enquanto o grande capital constituído pelos bancos é privilegiado e busca aumentar a já absurda fatia do orçamento da União na forma de pagamentos de juros mantidos nas alturas por determinação destes, e em seu favor. Sem esquecer-se das grandes empresas nacionais e estrangeiras, algumas delas ex-estatais que recebem as benesses do governo federal, na forma de perdão de dívidas bilionárias e a concessão de empréstimos com prazo alongado e juros baixíssimos que talvez jamais paguem, pois, neste país, muitos condenam a bolsa-família que sacia a barriga faminta dos excluídos, mas, poucos condenam as bolsas-empresário tomadas junto ao BNDES por parte de capitalistas que na mídia defendem o livre-mercado e a não intervenção do Estado, mas, em surdina recorrem a este em tempos de dificuldades.
Diante do que ocorreu em nosso país, há dois caminhos a percorrer: eternizar o papel de quintal estadunidense sob o comando de uma elite antipatriótica, ignorante, egocêntrica e violenta ou romper com o jugo colonial do atraso por ela representado, lamber nossas feridas, abandonar o estágio do analfabetismo político que caracteriza parte expressiva da sociedade, julgar e punir os traidores da pátria que atualmente ocupam cargos no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional, no Poder Judiciário e voltar a trilhar o caminho do desenvolvimento soberano. O povo brasileiro precisa entender que se um desastre colocou vacas no alto das árvores, lá elas não podem permanecer, a analogia também é válida para certos políticos alçados dessa forma ao poder!
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