quinta-feira, 21 de novembro de 2013
E você vai de coringa?
No início de 2013, em companhia dos amigos do motogrupo “Malandrões do Asfalto” estive em viagem pela Província de Misiones na Argentina e numa destas noites após a jornada motociclística do dia, fomos a um cassino e observei que muitos frequentadores do local eram pessoas idosas, aposentadas, passando o tempo, e resolvi também fazê-lo passar, porém, como não tenho intimidade com jogos troquei alguns pesos por fichas e fui brincar nas famosas máquinas caça-níqueis e apesar deste cassino ser barato e o câmbio nos favorecer, uma vez que o Peso argentino equivale a cerca de pouco mais de um terço do valor do Real descobri porque tais máquinas chamam-se “caça-níqueis” (elas definitivamente “caçam” os nossos níqueis!) e também o significado dos assim chamados “jogos de azar” (são de azar mesmo!), pois, à exceção de 01 (isso mesmo, um) colega “malandrão”, voltamos todos levemente mais pobres.
Em nosso país os cassinos são proibidos, porém, muitas pessoas jogam por diversão e alguns desses jogos de baralho têm uma carta especial, o coringa, que na língua inglesa é chamado de “Joker”. Essa carta permite sua utilização em diversas situações e é um grande trunfo para quem a possui, também as mulheres possuem os seus trunfos, as assim chamadas “roupas coringa”, ou seja, aquelas que permitem fazer várias combinações sendo, portanto roupas multiuso ou multi-look. Sem falar no futebol, onde os assim chamados “jogadores coringas” podem ser adaptados em várias posições resolvendo problemas de escalação dos técnicos de futebol quando da falta de um especialista na posição. Falando em trunfo, o homo sapiens (alguns nem tão sapiens assim), a espécie a qual pertencemos somente chegou até os dias atuais porque aprendeu a viver em comunidades que com o passar do tempo foram evoluindo e tornando-se mais complexas, portanto, na aurora da humanidade viver em comunidade era a possibilidade de subsistir, mesmo que isso significasse (e significava!) ter que se sujeitar à normas e/ou regras, ditadas pelo grupo ou por aquele(s) que detinha(m) o poder sobre o grupo.
O leitor talvez ainda não tenha chegado à conclusão alguma sobre onde quero chegar com tais elucubrações, talvez isso ocorra porque estou segurando o coringa na mão fechada, pois aprendi que não devemos mostrar o jogo rapidamente e que devemos ter muita calma no desenvolvimento da jogada. Sou uma pessoa observadora e reflexiva e uso minhas meditações para entender (ou tentar entender) a sociedade e o mundo em que vivemos. Dentre essas observações, constatei que existem muitas pessoas “coringas”, porém, ao contrário da referida carta de jogo, não as vejo de forma positiva, pois, são pessoas que no anseio de serem aceitas num ou vários grupos sociais, identificam as características que tais grupos consideram palatáveis nos indivíduos e atuam como personagens deixando de ser aquilo que de fato são. Penso que algumas vezes, isso é desenvolvido de forma tão natural que as próprias pessoas não percebem que no intuito de agradar, deixam de desenvolver seus pensamentos e opiniões próprias, pois, quem pensa e emite valor de juízo agrada alguns e desagrada outros tantos. Isso ocorre nas rodas de amigos (para não contrariar a opinião de velhos conhecidos a quem tanto prezam) e também quando as pessoas preocupadas em agradar a todos fazem um discurso para não desagradar ninguém e acabam se tornando insossas, pois, não marcam seu território, não estabelecem de qual lado da trincheira estão, perdendo a oportunidade de contribuir com uma verdadeira reflexão e posicionamento crítico dizendo à sociedade aquilo que deve ser dito para ouvidos e olhos que estão ávidos por ouvir e ler, mesmo sabendo que muitos ouvidos nada ouvirão e muitos olhos permanecerão fechados. Mas, enquanto tais pessoas renunciam a si próprios para ser aquilo que deles se espera, penso que grande sabedoria adquiriu quem já descobriu que buscar agradar a todos é abortar o seu próprio “vir a ser”, é suicidar-se diariamente, e, contraditoriamente permanecer vivo, é morrer um pouco a cada fala “encomendada” e continuar vivendo sem, no entanto ter existência real, pois quem desistiu de cultivar a si mesmo já não tem mais nada a oferecer à sociedade que não a aparência, pois, a essência se perdeu na mesa de jogo da vida.
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