É conhecida a frase de que
nos pequenos frascos se encontram os grandes perfumes. Em se tratando de
literatura, obviamente isso não faz sentido. Há obras maravilhosas da
literatura mundial que constituem calhamaços que desencorajam as pessoas menos
disciplinadas na leitura. Há porém, livros como "Cachorro Velho" de
Teresa Cárdenas (1970) que nos impressionam fortemente mesmo com um número
pequeno de páginas. Teresa Cárdenas é uma escritora, roteirista, atriz,
bailarina e ativista social cubana. A escritora é uma das mais destacadas
figuras da nova geração de escritores cubanos, sendo que recebeu o Prêmio David
(1997), o Prêmio Nacional da Crítica Literária (2000), o Prêmio Casa de las
Américas (2005), dentre outros. É ainda uma bailarina renomada e exerce também
o ofício de contadora de histórias. A escritora se lamenta da pequena
participação de autores negros na literatura mundial, creditando isso à falta
de oportunidades concedidas às/aos mesmas(os). A Editora Pallas se insere nesse
espaço com a missão de publicar no Brasil autores negros das mais diferentes
nacionalidades. Algo muito importante num país que foi um dos últimos a
abandonar o sistema escravista. Recentemente, tivemos a passagem do 13 de Maio
(abolição da escravatura) e, 134 anos depois, os descendentes das pessoas
escravizadas têm muito pouco o que
comemorar, pois, o racismo estrutural ainda é uma das características
principais da nação brasileira.
Cachorro Velho é título e também a personagem principal
da obra de Teresa Cárdenas. Trata-se de um negro que nasceu em uma fazenda
cubana (engenho de açúcar) e dela jamais saiu, portanto, não conhece os
arredores desta. Sua mãe era africana e dela foi separado ainda muito pequeno.
Conta-se que recebera o nome Eusébio dado pelo padre católico que o batizou e
um nome africano dado por sua mãe, nome este que ninguém na fazenda lembra,
pois, sua mãe fora vendida. Ainda bebê, buscava encontrar sua mãe pelo olfato,
portanto, cheirava as mulheres que o pegavam no colo, fato pelo qual foi apelidado
de Cachorro Velho pelo Senhor de Escravos que via nele atitude semelhante ao
dos referidos animais. Cachorro Velho tem 70 anos e sente que está perdendo sua
vitalidade e teme ser "descartado" pelo patrão, caso este faça a fria
conta dos benefícios e prejuízos de sua manutenção. A idade levou Cachorro
Velho a ser designado para a função de porteiro da fazenda.
A sua atual pouca utilidade, faz com que o patrão já não
adquira roupas novas para ele que anda esfarrapado pela fazenda. Seus amigos é
que lhe arrumam algumas surradas vestes para cobrir o velho e maltratado corpo.
Com mais tempo disponível, ele rememora sua infância e a difícil vida de
escravo. Não acredita no divino e/ou no sobrenatural, embora isso seja algo
muito cultuado pelos demais negros. Acredita que o inferno é a vida na
escravidão e que o paraíso é ser livre, como o senhor de escravos. Ele conta
que todos os escravos não podem fitar os olhos do senhor, precisam manter a
cabeça baixa perante ele, falar com ele somente se preciso e, com voz suave e de
cabeça baixa. Demonstra resignação ao acreditar que o senhor é dono do destino
deles e a ditar se eles podem se casar ou continuar vivendo. Ele remói suas feridas
psicológicas e não alimenta nenhuma esperança de ter um resto de vida melhor.
Nunca conheceu o amor, não se considera normal, pois, se relacionou com várias
mulheres, mas, nunca teve tal sentimento com nenhuma delas.
O mais próximo que teve do amor, foi quando jovem, era
encarregado de levar os cavalos do senhor até o rio para dar água e banho neles,
quando numa destas ocasiões, viu uma linda moça negra nadando nua no rio, que
lhe sorriu e chamou-o para a água, ele se atirou na água, porém, ela fugiu
nadando numa velocidade que ele não era capaz de acompanhar, gritou-lhe perguntando
seu nome e ela respondeu Assunción. Jamais a viu novamente, embora jamais tenha
desistido de procurá-la. Beira, a escrava que produz remédios caseiros a partir
de ervas medicinais é a sua melhor amiga. Ele se pergunta, se quando era jovem,
caso tivesse se casado com Beira sua vida teria sido diferente, mas, não o fez
e nem mesmo sabe se ela queria isso. Beira é tida pelos negros da fazenda como
feiticeira, de ter poderes sobrenaturais. Na fazenda, os negros escravizados
buscam preservar sua cultura e fazem suas festas (quando o senhor permite),
ocasião em que dançam, bebem e comem seus pratos típicos. A chegada de uma
jovem escrava fugida (Aísa) de um engenho vizinho e que é escondida por Beira
causa uma mudança no rumo da vida das personagens principais da trama. Encerro
aqui para não estragar o prazer da leitura desta obra pelo leitor. Esse breve
relato representa pouco do que a obra proporciona. Indico fortemente sua
leitura.
Sugestão
de boa leitura:
Título: Cachorro velho.
Autor: Teresa Cárdenas.
Editora: Pallas, 2010, 142 pág.