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segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Capitães da areia



           
           
Jorge Amado (1912-2001) nascido Jorge Leal Amado de Faria é o segundo escritor brasileiro de maior número de vendas de livros sendo superado apenas por Paulo Coelho. Jorge Amado é o autor mais adaptado do cinema, do teatro e da televisão brasileira. Sua obra é formada por 49 livros, os quais foram publicados em 80 países e traduzidos para 49 idiomas. Ganhou inúmeros prêmios nacionais e internacionais e foi eleito em 1961 para a Academia Brasileira de Letras. Jorge formou-se em Direito, porém, jamais exerceu a advocacia. Tendo estudado na década de 1930 na Universidade Federal do Rio de Janeiro, tomou conhecimento dos ideais do Partido Comunista Brasileiro (PCB), no qual se filiou, tendo sido eleito deputado federal em 1946. Sua atuação como parlamentar esteve entre outras ações pautadas na defesa da garantia da liberdade religiosa para os cidadãos. Ao se postar ideologicamente à esquerda tanto em suas obras como na política foi obrigado a viver exilado na Argentina, no Uruguai, em Paris e em Praga no período em que Vargas esteve no poder. Jorge Amado era vigiado tanto pela CIA quanto pelos serviços de inteligência da ex-União Soviética. Ao tomar conhecimento das atrocidades praticadas por Stalin na União Soviética, as quais foram reveladas pelo Secretário Geral do PCUS Nikita Krushev, desligou-se do Partido Comunista Brasileiro.
            A obra de Jorge Amado é essencialmente dedicada às raízes nacionais e suas máculas. Sendo assim, nela estão presentes os problemas nacionais e as injustiças sociais, mas, também o folclore, a política, as crenças, as tradições e a sensualidade do povo brasileiro. Dentre os grandes sucessos adaptados para a telinha e para a telona estão Dona Flor e seus dois maridos, Tenda dos milagres, Tieta do Agreste, Gabriela, cravo e canela e Tereza Batista cansada de guerra. Jorge Amado era muito estimado pelo povo baiano, especialmente as pessoas adeptas do sincretismo religioso que tão bem caracteriza a cidade de Salvador. Muito bem relacionado, teve a amizade de grandes nomes da literatura nacional como Érico Veríssimo, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Monteiro Lobato e Gilberto Freyre. Também trocou correspondências com Pablo Neruda, Gabriel Garcia Marquez e José Saramago.
            Na obra Capitães da Areia (1937) o autor mostra um grupo de meninos de rua que aterroriza Salvador por suas atitudes violentas, brigas de gangue, estupros e principalmente assaltos nas casas e também nas abordagens de cidadãos que tiveram a infelicidade de cruzar seus caminhos. Na trama, o autor repercute ficcionalmente as notícias de jornais acerca destes meninos, mostrando-nos que via de regra a imprensa além de parcial, é também superficial. Nunca discute com profundidade o que levou tais meninos a esta situação e, nem mesmo, qual seria a atitude a ser tomada pelas autoridades para que outras crianças não tenham o mesmo destino. Afinal, na origem, o menor de rua é um algoz ou uma vítima do modelo de sociedade construída? Nesse sentido, Jorge Amado mostra que eles também têm sonhos, muitos ingênuos e, que o grupo acaba por ser a única família verdadeira que tiveram na vida, sendo o líder do grupo uma espécie de pai de todos. A trama conta o destino de seus integrantes, alguns se destacam na sociedade ao serem resgatados e bem encaminhados e, outros têm destinos trágicos. Trata-se de uma excelente obra, por sua criticidade e pela leitura prazerosa que proporciona mesmo tratando de um tema tão complexo. Fica a dica!

Referência:
 
Wikipedia – disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jorge_Amado - acesso em 27 de dezembro de 2019.

Sugestão de boa leitura:

Título: Capitães da Areia.
Autor: Jorge Amado.
Editora/Ano: Companhia de Bolso, 2008.
Preço: R$ 17,06.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Ao mestre, com carinho!



               
 Em uma rede social, um post se tornou viral. O post relatava que uma empresa privada que operava vários ramais ferroviários no Japão, decidiu manter funcionando uma estação inviável do ponto de vista do lucro, pois, ali somente uma passageira embarcava e desembarcava diariamente. Uma adolescente que se dirigia a escola e retornava no fim do dia. A decisão altruísta, sensata e admirável da empresa privada japonesa emocionou milhares, talvez milhões de pessoas. A empresa cumpriu um preceito que grande parcela dos empresários finge desconhecer, a responsabilidade social. Esse não é um caso isolado, os japoneses já demonstraram várias vezes atitudes que, ora nos causam inveja, ora nos faz corar de vergonha como povo, dada a nossa falta de educação, respeito e baixo nível cultural. O estudante no Japão é muito valorizado, não à toa, as estudantes costumam utilizar uniformes escolares nos feriados em momentos de lazer. Sabe-se que o imperador japonês não se curva perante nenhuma autoridade nacional ou estrangeira, mas, em várias solenidades diferentes imperadores se curvaram ante professores, como forma de reconhecimento.
            Se no Japão e em outros países, ainda há certo glamour no exercício do magistério. O mesmo não ocorre nestas paragens. No passado, professores tinham o reconhecimento dos pais, dos estudantes e, dia dos professores era uma data em que voltavam carregados de flores, cartões, poesias e presentes de pequeno valor, mas, de grande significância. Todo professor sabe que sem seu trabalho o país para, afinal, todas as profissões dependem dos ensinamentos do velho mestre, do auxiliar de escritório ao empresário, do contínuo ao gerente de banco, do enfermeiro ao médico, do advogado ao juiz, do estudante ao professor. Professor é tão necessário que sem ele, sendo professor de si mesmo, nessa luta abnegada de ensinar a si próprio, de jamais desistir de buscar o conhecimento, de se manter atualizado em um mundo que não conhece o ponto morto e nem possui pedal de freio, o curso da história não seria tal como o conhecemos, mesmo que ele não seja como gostaríamos, pois, sem o professor e a escola, tudo o que resta, é a barbárie.
            Se como disse o poeta: “o que mata um jardim é o olhar indiferente de quem por ele passa”, o que mata o professor é muito mais o desrespeito, a vilanização que se faz dos mestres, acusados dos insucessos dos estudantes sem que a sociedade se dê ao trabalho de refletir sobre as condições de trabalho a eles ofertadas e todas as condicionantes que agem direta ou indiretamente sobre a aprendizagem destes. O reconhecimento público da importância dos mestres sempre foi um bálsamo a aliviar o pesado fardo de quem se dispõe a construir o futuro do país formando seus futuros obreiros. Vivemos um momento em que a escola e a universidade pública são atacadas, pois, não são vistas como direito básico da população, mas, como mercadorias e como tal devem estar nas mãos da iniciativa privada. O surreal é ver quem não dispõe de condições financeiras para custear tais serviços defender sua privatização. As autoridades, salvo raras exceções, não vem a educação pública como investimento, mas, como gasto. Gestões na pasta da educação que visam economizar a qualquer custo e, assim, precarizando as condições de trabalho dos mestres, superlotando salas de aula, fechando turmas e escolas (que não tenham o número ideal de estudantes que é o máximo possível que o espaço comporta), pois, via de regra o número máximo se tornou o mínimo. É de tanto economizar em educação que se constitui a receita do fracasso de um país, e a evidência disso é o retorno das salas multisseriadas no Paraná.
            Neste ano minha escola teve nove professores afastados por estarem doentes (os mestres são acometidos de doenças específicas da profissão), outros trabalham mesmo doentes, para não serem prejudicados em futuras distribuições de aulas. Há alguns dias, um clima de velório tomou conta de minha escola. Questionei colegas professores sobre o estado emocional dos mestres noutras escolas, a resposta foi que a tristeza, a revolta e a sensação de demérito predominou. Nas redes sociais, relatos de mestres revoltados e professoras chorando não foram raros. Alguns estavam à beira da aposentadoria e, terão que trabalhar muito tempo mais. Todos tiveram o seu tempo de contribuição aumentado (cinco anos, 10 anos, ou mais). O que grande parcela da sociedade ignora, é que o fundo de previdência dos professores era auto-sustentável e, os seus recursos eram do funcionalismo público e, não do Governo do Estado. Imagine que você tem uma poupança para a sua velhice, seu patrão lhe desconta parte do salário alegando que irá depositar na sua conta, mas, não o faz e sequer paga a parte que lhe cabe. Depois toma o seu dinheiro da conta para cobrir rombos financeiros da empresa, e, consegue, por meios políticos e judiciais, o perdão desta dívida, fazendo-lhe trabalhar mais e ter uma velhice insegura. Foi isso o que aconteceu em 29 de abril de 2015 e, que foi ratificado agora com a reforma da previdência do Paraná. Quem teve o fundo de aposentadoria saqueado, foi o único a pagar a conta. Hoje, os mestres lamentam trabalhar mais tempo, quando o corpo e a mente não mais aguentam (exaustão emocional, síndrome de bournout, depressão, etc.), e, talvez, você seja indiferente. Amanhã lhe retiram a escola, a universidade e a saúde pública, pois, o projeto que embasa a política levada a cabo na esfera federal e estadual é a mesma, e, você não terá como reagir, pois estava distraído! Aos mestres que tive, aos que terei e, aos que compartilham dessa profissão, o meu reconhecimento!

sábado, 7 de dezembro de 2019

O Brasil não é para principiantes – parte 2




                O leitor destas linhas deve ter observado que tenho publicado mais resenhas de livros do que artigos de opinião sobre a situação política e econômica do país. Em conversa com um dos dois únicos leitores desta coluna, espantei-me ao saber que ele pensava que havia mudado o tema de meus artigos pelo risco implícito (ameaças, etc.) neste atual momento que lembra os tempos obscuros de um passado recente que teima em voltar, ou seja, a ameaça sempre presente de que o autoritarismo do governo Bolsonaro se dispa de suas máscaras e, mostre a sua real face. É importante observar que Bolsonaro foi eleito democraticamente, tal como Hitler o foi na Alemanha nazista. Apesar disso defendo com todas as minhas forças o regime democrático, que em meu ver pode não ser perfeito (ainda mais em um país com grande desigualdade social como é o caso do Brasil, pois, onde as injustiças sociais reinam de forma absoluta, a democracia somente ocorre com baixa intensidade), mas, não há nada melhor. A grande questão é: como exigir criticidade, consciência de classe e verdadeiro patriotismo a quem passa fome? E como fazê-lo a quem teve uma formação estudantil precária ou mesmo diplomado, constitui o rol dos analfabetos funcionais? Não é natural que o analfabeto funcional se torne o analfabeto político na definição de Bertolt Brecht?
            A Alemanha pagou caro pela experiência do nazismo. Mais caro ainda pagaram as vítimas do nazismo contadas aos milhões (judeus, negros, ciganos, sindicalistas, socialistas, comunistas, deficientes físicos, etc.). O Brasil pagou caro pela aventura militar (1964-1985) na forma do forte endividamento, inflação galopante, destruição do sistema educacional, censura, crimes praticados pelo Estado, etc., mais caro pagaram as vítimas que foram aquelas e aqueles que não se acovardaram e lutaram para que a democracia fosse restabelecida. Na Alemanha, país símbolo do capitalismo, cujo sistema é pelos próprios germânicos, denominado de economia social de mercado, muito há que nestas terras tupiniquins seria denominado de comunismo (políticas afirmativas), embora poucos dos brasileiros saibam definir exatamente o que o comunismo é, lutam contra o incipiente Estado de Bem-Estar Social (que aqui se tentou implantar com a Constituição de 1988), e do qual seriam/são os principais beneficiados. O grande salto para trás que o Brasil deu com a eleição de Bolsonaro, que, inclusive na campanha reiterava o seu desejo de que o país voltasse a ser como era há cinquenta anos atrás demonstra o seu caráter reacionário. O Brasil de cinquenta anos atrás era o Brasil do AI-5, das prisões políticas, dos desaparecidos políticos, dos militares na política (bem ao estilo república bananeira), da fome, do assassinato de indígenas, do descaso com o meio ambiente, da corrupção que não aparecia na mídia, pois, havia censura. Penso que a pessoa que defende um regime ditatorial como foi o período (1964-1985) somente pode ser considerada sob dois aspectos: é uma pessoa mal informada ou é dotada dos princípios mais baixos que se possa atribuir a um ser humano.
Não tenho problema algum em ter amigos que marcham nas fileiras da direita (e os tenho), porém, recuso ter proximidade com pessoas que defendem ditaduras. O motivo para tal, explico com um provérbio alemão que postula: “se em uma mesa estiverem sentados dez alemães e nela se sentar um alemão nazista, se os outros dez alemães não se retirarem, na mesa estarão onze alemães nazistas”. O mesmo ditado popular vale para o Brasil e os fascistas. Não se trata, portanto, de uma mera discordância política, mas, moral. Somos um país que se construiu sob o regime da escravidão, do genocídio do povo indígena e, de governos via de regra autoritários, que historicamente se habituaram a suprimir as vozes discordantes que brotavam/brotam no seio do povo. Concluo dizendo que se muitas vezes publico resenhas de livros, o faço por que é também minha paixão, mas, neste momento, principalmente, para preservar minha sanidade mental, pois, não me conformo em ver um governo com tanta gente despreparada, inconsequente e tola dirigindo o país e destruindo as possibilidades de sermos um futuro país soberano. É ainda mais lamentável ver que a ignorância que desfila com pompa em Brasília tenha quem lhe aplauda. Penso que a eleição de Bolsonaro será pedagógica, mostrará (e já está mostrando) que eleição é coisa séria e, que o povo não deve fazer arminha, ainda mais apontando (mesmo que inconscientemente) contra a própria cabeça, pois, fazer roleta russa é algo inconsequente e suicida!