Em
sua obra “A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa
manipular pela elite” Jessé Souza afirma que a dominação das classes
privilegiadas sobre as demais ocorre por meio do convencimento. É necessário
convencer o povo de que privilégios resultantes do capital financeiro adquirido
por herança ou pelo capital cultural adquirido de berço são merecidos e que os
excluídos são culpados de sua extrema miséria econômica e cultural. Souza alega que no passado o povo era convencido da
justeza dos privilégios das elites pelos sacerdotes que garantiam que a nobreza
tinha sangue azul por determinação divina e que hoje são os intelectuais a
fazer este papel. Os privilegiados não querem apenas manter os privilégios, querem
também convencer os excluídos de que seus privilégios são justos e que fazem
por merecê-los. Para isso contam com intelectuais que tanto podem ser oriundos
da elite ou conquistados mediante o poder financeiro. O autor faz profundas
críticas a Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Roberto DaMata, Raymundo
Faoro, etc. e desconstrói as teses da herança maldita de Portugal, do
personalismo, do patrimonialismo, do brasileiro cordial, etc. demonstrando que
a nossa sociedade é assim porque tem suas bases fincadas no sistema
escravocrata e isso explica o caráter de nossas elites, no dizer de Darcy
Ribeiro: “O Brasil, último país a
acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que
torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso” ou ainda “O Brasil tem uma
classe dominante ranzinza, azeda, medíocre,
cobiçosa, que não deixa o país ir pra frente”.
O autor reitera que há muito tempo o Brasil está entre dois
projetos: continuar a ser uma sociedade com herança escravocrata em que cerca
de 20% da população forma uma sociedade de consumo e mantém à margem a maioria
da população, ou incluir o restante da
sociedade e formar uma grande sociedade de consumo em massa em que os pobres
teriam asseguradas condições dignas de sobrevivência e os já ricos poderiam se
beneficiar ainda mais. Jessé desmistifica o discurso meritocrático e
prova ser ele falso ao demonstrar que a pessoa saída dos extratos mais pobres
não tem a mesma condição para competir com a pessoa bem nascida (classe alta e
classe média). Souza afirma que a classe média (capital cultural) tem uma
inveja ressentida da classe alta (capital financeiro) e, que se considera
melhor que aquela, pois, o que possui é seu por mérito tendo em vista não ter
herdado grandes somas de capital e, por se localizar no meio, entre a classe
alta (que sonha utopicamente ser), e a classe baixa (a ralé) constituída por pessoas
excluídas do sistema. A classe média é muito importante para a classe alta,
pois, constitui sua massa de manobra na manutenção da sociedade tal como se
encontra. Assim, a classe média posa de moralista, faz o discurso da
pseudo-meritocracia e luta contra qualquer possível avanço social das classes
mais baixas. Nas palavras do saudoso intelectual Milton Santos (1926-2001): "A classe média não quer direitos, ela quer
privilégios, custe os direitos de quem custar." Neste
sentido, a classe média quer manter para si o filão dos empregos melhor
remunerados, seja na Medicina, na Magistratura, etc. conservando as vagas nas
universidades públicas para seus filhos. O avanço dos setores populares quanto
ao ingresso nestas universidades, ainda mais por meio de cotas, é motivo de
grande revolta nesta categoria de pessoas bem nascidas.
Jessé Souza demonstra que a herança escravocrata falou mais
alto em 1954 contra Getúlio Vargas (cujo suicídio adiou o golpe civil-militar
em 10 anos), no golpe de 1964 contra Jango, e contra Dilma em 2016. O autor
fala que a política de inclusão social dos governos progressistas de Lula e
Dilma provocou leves mudanças na estrutura social, mas, foi o suficiente para a
“elite do atraso” acionar seus buldózers destruindo as fundações da nova
pirâmide social que se pretendia inversa. Jessé demonstra em seu livro que as
mesmas elites que combatem o Estado e o desejam mínimo para a população que
dele necessita, o quer máximo a serviço de seu enriquecimento privado. As
mesmas elites que se dizem contra a corrupção, construíram impérios por meio dela
e na maioria das vezes fazendo uso do Estado em seu benefício, seja por
empréstimos a juros subsidiados e muitas vezes não pagos; por leis que privilegiam
os latifundiários com a baixíssima tributação; ou ainda, por maracutaias
financeiras livres de punição por meio de leis construídas por políticos
aliados e/ou financiados para este fim; ou ainda pela omissão/participação do
Poder Judiciário. Souza afirma ainda que a teoria sociológica hegemônica no
país é utilizada por grupos corruptos que hipocritamente erguem a bandeira do
combate à corrupção, e tal como o ilusionista (mágico) desvia o olhar da
população que vê no Estado a causa de todos os seus males, quando na realidade este
se encontra no sistema capitalista que favorece a corrupção não apenas no
Brasil, mas, em todo o planeta, e no qual os verdadeiros e maiores agentes da
corrupção (grupos financeiros, industriais e comerciais) encontram-se no
mercado tido como virtuoso.
Jessé Souza
pretende contribuir para que a multidão de excluídos e as parcelas da classe
média progressista e a aquela feita de tola entenda que este país pode ser
melhor para todos, quando todos conseguirem enxergar o que há por trás desse
discurso cientificamente construído (para manter intactas as estruturas de uma
das sociedades mais perversas do mundo), e, de posse deste saber renovado reconstruam
o país de forma que a todos seja garantida a dignidade humana, e ao país, a
soberania nacional.
Sugestão de boa leitura:
A tolice da inteligência brasileira: ou como o país
se deixa manipular pela elite – Jessé Souza.
Ed. Leya, 2015.